Depois de uma publicação sua no LinkedIn denunciando racismo em seleção de emprego viralizar nas redes, o presidente da Bayer do Brasil, Theo van der Loo, não para de receber mensagens. “Ainda não consegui nem ler todos os comentários”, diz.

Embaixo da postagem de van der Loo sobre um executivo amigo seu que ouviu do recrutador: “não entrevisto negros”, e não quis fazer a denúncia, muitas pessoas destacam a importância de o debate chegar à mesa dos presidentes de empresa. E ele, no comando da Bayer desde 2011, está convencido que o caminho também é por aí. Por telefone, van der Loo conversou com EXAME.comsobre racismo, preconceito velado e também sobre o papel dos presidentes de empresa na promoção da diversidade no trabalho.

Ganhadora, em 2015, pela Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) do 1º Prêmio São Paulo Diverso, a Bayer possui um comitê de diversidade que promove debates e ações nas questões: LGBT, racial e de gênero. Mas , seu presidente quer fazer mais e contou alguns dos seus planos. Confira:

EXAME.com: Esperava que a publicação teria a repercussão que teve?
Theo van der Loo: jamais imaginava, foi mais um desabafo mesmo. Eu vejo a frustração das pessoas que estão procurando emprego, a gente tenta ajudar.Eu liguei para esse amigo para saber da entrevista e ele me contou isso. O que acontece é que ele tem medo que o nome dele seja divulgado, porque ele está procurando emprego e tem medo de ser discriminado na entrevista de emprego. Saiba mais: Confira na Xerpa: Aumentam os casos de demissões de funcionários por comentários discriminatórios nas redes sociais Patrocinado

EXAME.com: Recebeu muitas mensagens depois disso?
Theo van der Loo: Recebi. A postagem teve 320 mil visualizações, mais de 900 comentários. nem consegui ler todos ainda. Mas pelos comentários, você vê que muita gente passou pela mesma coisa.

EXAME.com: e sem denunciar?
Theo van der Loo: O que eu ouvi é que, numa denúncia fica o dito pelo não dito, e, nesse caso quem perde é o agredido. Embora exista uma lei contra a discriminação, o preconceito pode ser inconsciente. As vezes as pessoas não gostam e não sabem por quê.

EXAME.com: nesse caso, esse entrevistador sabia muito bem o porquê, não é?
Theo van der Loo: nesse caso, sim. A discriminação é ilegal. Mas você também tem o problema do preconceito velado que afeta igualmente as pessoas na carreira delas.

O que eu queria chamar a atenção é que quem discrimina são brancos. O que as pessoas não estão habituadas é que, se um negro colocasse esse post, talvez não haveria tanta repercussão. Sou brasileiro nato (embora tenha sobrenome estrangeiro) e estou convencido de que se a gente não superar essa situação, o nosso país nunca vai para a frente. Os negros ficam limitados ao esporte, à música, à arte, ao teatro. Na hora que fala de outras carreiras, eles ficam fora da jogada. Você não vê muita gente.

EXAME.com: Qual que seria o caminho para vencer essa situação?
Theo van der Loo: comecei a conversar com os negros na Bayer, há uns três anos, para saber como eles se sentiam. Eles não estão reclamando, o que eles sentem, às vezes, é que eles têm que se esforçar muito mais para serem promovidos, para obterem reconhecimento. Esse comentário eu vi depois na mídia social. Várias pessoas falando a mesma coisa.

EXAME.com:Como é a política de diversidade da Bayer?
Theo van der Loo: Diversidade é um tema geral. As multinacionais têm uma política global de diversidade. Você tem projetos com mulheres em todos os países. Você tem LGBT, a Bayer tem um projeto que chama Blend. Mas, agora, a inclusão social e racial é uma iniciativa nossa aqui, porque nós no Brasil temos essa necessidade, na Alemanha não tem. Se a gente não fizer nada pelo Brasil, não vai acontecer nada.

Então, por isso, a gente assumiu como um dos pilares da diversidade. Um dos pilares é a integração étnica, há os índios também. Você tem também a inclusão dos PCDs, que são as pessoas com deficiência. Existe uma lei e as empresas precisam cumprir uma cota. Na Alemanha também existe uma lei, mas é um pouco diferente.Esses dois grupos – os afrodescendentes e as pessoas com deficiência – têm uma situação que é parecida.

EXAME.com: Qual?
Theo van der Loo: Para as pessoas com deficiência, as empresas têm que preencher a cota, mas, quando você conversa com as pessoas, elas querem fazer carreira, não querem sentir que: ” ah você está aqui pela cota e se não tivesse cota você não estaria aqui”. Normalmente focamos o programa de carreira nas pessoas com mais talento, e isso varia de caso a caso. Temos programas de desenvolvimento para diversos níveis dentro da empresa. Inclusive jovem aprendizes.

É a mesma coisa para os negros. Não é só para ver pela empresa. O que eu escuto muito dos negros, e uma conclusão que eu tirei, é que eles não querem favores, querem oportunidade. Seria um erro colocar uma pessoa em um cargo para o qual ela não está qualificada. Você vai queimar essa pessoa e vai queimar até a causa. Tem que ter um certo cuidado. Se você é uma pessoa que tem potencial, que tem talento, talvez tenhamos que ser mais pacientes e investir um pouco mais nisso também. É um debate que tem que ter na sociedade e também no meu nível, no nível de CEO.

EXAME.com: Qual o papel do CEO?
Theo van der Loo: Muitas empresas delegam isso à área de RH, que é a principal coordenadora de tudo isso, porque RH contrata as pessoas, desenvolve as pessoas. Mas, o CEO tem que estar visivelmente envolvido para que os empregados da empresa também notem que o CEO está atrás disso e quer gerar uma mudança.

Agora, eu confesso para você, a Bayer não é imagem de perfeição, isso aqui é um processo. Eu acho que temos bastante negros na Bayer, fizemos um censo(dos 4 mil funcionários no Brasil, 14% são negros, segundo um censo interno feito em 2014). Mas em cargos altos tem poucos. tem mais do que antes, mas tem poucos. Nós temos, inclusive, dois funcionários negros que estão fora do Brasil, tem um na Alemanha e um nos Estados Unidos. Mas, eu dependo muito dos gestores.

EXAME.com: Por quê?
Theo van der Loo: Por que eu pessoalmente não contrato gente todos os dias, o fluxo é pequeno, eu contrato os diretores, eles não saem muito, a rotatividade é baixa. Eu dependo muito dos gestores que contratam mais pessoas para que eles se sensibilizem e sigam em frente.

O que comento com o RH é o seguinte: se nós continuarmos a fazer tudo do jeito que a gente fazia antes não vai mudar nada. Tem que ter uma certa pro atividade, um empurrão.

EXAME.com: Que tipo de iniciativa?
Theo van der Loo: Temos que pedir para os headhunters que eles forneçam candidatos afrodescendentes. Essa pressão que acho que tem que existir na sociedade.É óbvio que hoje, até pela História, tem mais brancos com uma boa formação do que negros. Mas isso não significa que não tenha negros, ou seja, se uma pessoa falar “não. não tem gente para participar” eu acho um equívoco.

O que acontece é que é mais difícil de achar negros qualificados. Mas, hoje em dia, com as cotas nas universidade, o que é algo muito positivo, você acaba tendo mais gente com qualificação para conseguir emprego.

Agora, refletindo sobre isso que está acontecendo, a gente pode até tentar começar com os estagiários. De repente a gente colocar uma meta: dos estagiários, determinado percentual, no mínimo, tem que ser afrodescendente.

EXAME.com: Essa é uma ideia que você gostaria de desenvolver na Bayer do Brasil?
Theo van der Loo: Sim, nós temos algumas, mas eu quero fazer mais. Muitos CEOS, como eu, muitos concordam que têm que fazer alguma coisa. Mas não sabem como começar. Eu nem sabia como falar, se falava afrodescendente, se falava negro. E conversando com os negros e até pessoas de fora da Bayer, e dizem: “Theo, não é como você chama a gente, falar sobre o assunto já ajuda muito. Seja você mesmo, fale as coisas como você sente e, se você cometer algum erro, você pede desculpas, as pessoas entendem, elas ficam felizes de haver mais interesse.

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