O debate “Saúde Mental: uma conversa sobre qualidade de vida e bem-estar”, promovido nesta terça-feira (24/9) pelo Correio Braziliense, trouxe discussões sobre o tema no Brasil e os impactos de problemas da atualidade. Do terceiro painel, participaram Helena Moura, médica psiquiatra e professora de medicina da Universidade de Brasília (UnB); Adriana Rodrigues, psicóloga e idealizadora do Instituto Psicologia e Dinheiro; e Alessandra Almeida, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP)

As especialistas trataram de pontos importantes, incluindo a saúde mental da população negra e de pessoas de baixa renda. Também elencaram os sinais prévios a serem notados e a relação das condições climáticas com a saúde psíquica da população.

Helena Moura explicou que quem tem demência, esquizofrenia e depressão é mais suscetível a sofrer quando ocorrem ondas de calor, enquanto eventos graves, como a enchente que houve no Rio Grande do Sul, podem desencadear distúrbios mentais. Problemas de saúde mental decorrentes de dificuldades com dinheiro, como o endividamento, foram o foco de Adriana Rodrigues. Ela também observou que, de outro lado, estresse, ansiedade e depressão podem levar o indivíduo a desenvolver problemas financeiros. Alessandra Almeida abordou o racismo estrutural e chamou a atenção para uma pesquisa do Ministério da Saúde apontando que jovens negras enfrentam maior risco de suicídio.

Helena Moura

Na teoria, ter algum tipo de conforto, estar bem consigo mesmo e ter qualidade de vida pode parecer fácil, mas é um tamanho desafio. Helena Moura, médica psiquiatra e professora da UnB, abordou a questão. “Um dos principais desafios dos profissionais de saúde mental é manter as pessoas bem. Atualmente, existe muita pressão das mídias sociais, tempo excessivo de telas e as mudanças climáticas. Os indivíduos estão sentindo esses efeitos literalmente na pele. Isso acaba afetando a qualidade de vida, podendo causar algum tipo de sofrimento psíquico”, pontuou.

Eventos climáticos mais graves, como tsunamis e as enchentes que ocorreram no Rio Grande do Sul, podem agravar ainda mais esses sintomas, segundo a especialista. O DF, por exemplo, enfrenta 154 dias sem chuvas, a segunda maior seca da história. A primeira foi em 1963, quando Brasília enfrentou 163 dias de estiagem. “Chamamos de onda invisível por trás da mudança climática. Além de perder as casas e alguns familiares, as pessoas ainda encontram dificuldade para receber atendimento médico, pois os serviços hospitalares também são atingidos”, relatou.

“Tem se falado muito pouco sobre esse assunto. Em novembro do ano passado, tive a oportunidade de fazer um artigo sobre esse tema e muitas pessoas relataram que nunca haviam pensado e nem sabiam sobre o que a temática tratava”, comentou Helena. A médica falou ainda que as pessoas que têm depressão, esquizofrenia e demência são as mais vulneráveis a sofrer em momentos de ondas de calor. “Isso se reflete, por exemplo, no aumento de demanda nas emergências psiquiátricas por surtos e tentativas de suicídio”, alertou.

Helena citou que isso se agrava ainda mais quando se trata de povos indígenas, pois alguns perdem as terras e precisam se deslocar para outros locais. “Isso está muito ligado ao sofrimento que determinadas populações têm ao ver o ambiente sendo degradado”, afirmou.

A médica psiquiatra fez uma comparação do Brasil com a Austrália e citou que lá esses problemas não são tão recorrentes. “Isso é muito alarmante. Para as pessoas terem ideia, na Austrália, onde também existem povos originários, isso não ocorre”, observou.

Alguns comportamentos podem ser adotados pelos indivíduos e ajudá-los a manter o bem-estar e preveni-los contra sintomas de ansiedade e depressão, segundo Helena Moura. “Um sono adequado, a prática de exercícios físicos regulares e uma alimentação saudável contribuem para as pessoas se sentirem bem e, consequentemente, para uma boa saúde mental”, finalizou.

Na avaliação de Adriana Rodrigues, psicóloga e idealizadora do Instituto Psicologia e Dinheiro, ainda há um certo descaso em relação à questão da saúde mental e dinheiro. Ela alertou para o número elevado de pessoas que passam por dificuldades financeiras e os empecilhos que isso causa, podendo gerar problemas sérios à saúde mental.

Temos 82% da nossa população, segundo pesquisa, que por três ou mais vezes na semana se preocupam com o dinheiro, principalmente com as questões ligadas às dificuldades financeiras. Setenta e oito por cento das famílias brasileiras estão endividadas, é um número altíssimo. Vinte e oito por cento, quase 29% das famílias não têm como pagar as suas dívidas, estão em situação de inadimplência, isso gera um estresse gigante”, opinou.

Adriana sugeriu que muitos que têm quadros de saúde mental como estresse constante, ansiedade e depressão também podem fazer o caminho inverso e desenvolver problemas financeiros. Isso porque, segundo a especialista, essas pessoas não têm condição de lidar com suas finanças, porque estão sobrecarregadas e estão com outros focos. O resultado disso é um ciclo vicioso, no qual a pessoa cuida mal do dinheiro enquanto vê a saúde mental se deteriorar.

Outro ponto levantado pela especialista foi o da importância da educação financeira, algo que, para ela, não deve ser tratado individualmente. Ela afirmou que esses conhecimentos são importantes para que as pessoas saibam como cuidar do próprio dinheiro, mas alertou sobre a falta de acesso para que todos consigam aprender essas lições.

“Atendo muitas pessoas que têm demandas ligadas a dinheiro. Essas pessoas sofrem com grande ansiedade, porque acreditam que fizeram uma péssima gestão do dinheiro delas, quando, na verdade, estão também dentro dessa cultura de consumo”, analisou. Adriana disse considerar como grandes “vilões” para esses transtornos o consumismo exagerado e o desemprego, obstáculos que afetam principalmente mulheres e jovens.

Além disso, ela explicou que pessoas que não passam por dificuldades financeiras também podem ser afetados por isso. A psicóloga contou que alguns indivíduos podem passar por dissonâncias cognitivas e enfrentar transtornos pensando na desigualdade social que os separa de outras pessoas.

Alessandra Almeida

O Conselho Federal de Psicologia tem a responsabilidade de orientar e normatizar a categoria, além de estabelecer diálogos constantes com a sociedade, explicou Alessandra Almeida, vice-presidente do CFP. “É preciso implementar políticas efetivas para a proteção e cuidado da saúde mental dos indivíduos, especialmente em um país tão complexo como o nosso, e neste momento pós-pandemia, a prevenção ao suicídio deve ser evidenciada”, ressaltou.

A psicóloga destacou a importância de se atentar à saúde mental da população negra. “O suicídio é a terceira principal causa externa de mortes. Uma pesquisa do Ministério da Saúde, de 2018, revelou que jovens negras entre 10 e 29 anos enfrentam o maior risco de morte por suicídio”, detalhou.

“Esse risco elevado está relacionado ao sofrimento psíquico causado pelo racismo estrutural”, afirmou, enfatizando a necessidade de discutir os efeitos do racismo na saúde mental da população negra e indígena, além do racismo ambiental. “Discutir o papel dos saberes psicológicos na saúde mental em relação à questão racial é essencial para questionar as estruturas sociais que reproduzem desigualdades”, observou.

Para Alessandra, é urgente vincular a promoção da qualidade de vida ao desenvolvimento humano sustentável. “Estamos construindo uma gestão no CFP comprometida em abordar o racismo ambiental, a sanatividade racial e a injustiça social, além de defender a justiça ambiental e climática e os direitos humanos”, explicou.

A especialista também mencionou que o racismo ambiental afeta comunidades vulneráveis, como ribeirinhas e quilombolas. “Ao pensar em ações de sustentabilidade e preservação do meio ambiente, precisamos considerar as relações de saúde mental dessas comunidades, que vivenciam desastres ambientais de maneira distinta”, ressaltou.

*Estagiários sob a supervisão de Malcia Afonso

Discutir o papel dos saberes psicológicos na saúde mental em relação à questão racial é essencial para questionar as estruturas sociais que reproduzem desigualdades”

Alessandra Almeida, vice-presidente do CFP

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Atendo muitas pessoas que têm demandas ligadas a dinheiro. Essas pessoas sofrem com grande ansiedade, porque acreditam que fizeram uma péssima gestão do dinheiro”

Adriana Rodrigues, psicóloga e idealizadora do Instituto Psicologia e Dinheiro

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Atualmente, existe muita pressão das mídias sociais, tempo excessivo de telas e as mudanças climáticas. Os indivíduos estão sentindo esses efeitos literalmente na pele”

Helena Moura, psiquiatra e professora da UnB

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