3 pilares da Índia para tentar ser superpotência do século 21 (e os obstáculos no caminho)

A Índia está em meio ao maior processo eleitoral da história.

As eleições, que começaram em 19 de abril e vão até 1º de junho, e nas quais participarão quase 1 bilhão de pessoas, são cruciais para as ambições crescentes do país.

Pesquisas indicam que a maioria do eleitorado deve optar por dar um terceiro mandato ao primeiro-ministro Narendra Modi.

Modi tem a vantagem de que, durante seu mandato, a posição global da Índia melhorou e as relações do país com os Estados Unidos se fortaleceram.

A Índia é hoje uma das poucas potências com armas nucleares, recentemente superou a China como o país mais populoso do mundo e se tornou o primeiro na história a conseguir pousar com sucesso um módulo no polo sul da Lua.

Graças à sua crescente classe média, ao seu dinamismo empresarial e ajudado pelo seu 1,4 bilhão de habitantes, o país espera também virar a nova superpotência econômica do século 21.

“A Índia será uma superpotência: tem uma grande base de consumidores e uma população muito jovem”, diz Pushpin Singh, economista sênior do Centro de Investigação Econômica e Empresarial (CEBR, na sigla em ingês), uma empresa de consultoria com sede em Londres.

Segundo um relatório do CEBR publicado em dezembro, a Índia deverá manter um forte crescimento de cerca de 6,5% ao ano entre 2024 e 2028, e tornar-se a terceira maior economia do mundo até 2032, ultrapassando o Japão e a Alemanha.

As projeções do instituto para o final do século veem a Índia emergir como a maior superpotência econômica mundial, com um PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos por uma economia) 30% superior ao dos Estados Unidos em 2080.

Os líderes do país asiático confiam na demografia indiana e na sua diplomacia para acelerar a ascensão do país.

1. A ‘voz’ do sul global

Antes de cogitar desafiar a hegemonia dos Estados Unidos, a Índia estabeleceu um objetivo de curto prazo: ser líder do chamado Sul Global, termo usado para se referir aos países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina que querem ter mais peso nos assuntos globais.

Em um discurso durante a segunda cúpula da Voz do Sul Global, em novembro de 2023, Modi garantiu que o grupo quer autonomia e está disposto a assumir grandes responsabilidades nos assuntos globais.

Ele disse também que a Índia tem orgulho de representar a voz do sul em fóruns globais como o G20.

Ronak Gopaldas, economista e cientista político da Signal Risk, uma consultoria sediada na África do Sul, afirma que a Índia aproveita seu crescente poder econômico para ganhar influência em várias regiões do mundo, especialmente na África, um continente que se tornou fundamental para Índia.

Até 2050, uma em cada quatro pessoas no mundo será africana, observa Gopaldas em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

“É um continente que tem a população em idade ativa mais jovem do mundo e possui minerais críticos que o mundo necessita para a transição energética. A África é grande e importante demais para se ignorar”, afirma o economista.

“Muitos países africanos veem a Índia como uma democracia que costumava ser pobre e que agora está prosperando, enquanto a Índia se vê como a voz do sul global.”

O primeiro-ministro Narendra Modi aproveitou a presidência temporária do G20 e a cúpula realizada em Nova Déli no ano passado para promover a Índia como um “símbolo de inclusão” entre os países do sul global.

Talvez o seu maior sucesso diplomático no ano passado tenha sido a aceitação de sua proposta de incluir a União Africana (organização internacional africana composta por 55 países) como membro permanente do fórum.

O economista Pushpin Singh concorda que a Índia busca e está conquistando cada vez mais influência internacional.

“A Índia quer atrair investimento estrangeiro para o país e formar alianças com o resto do mundo, com o objetivo de se tornar um grande ator internacional e competir com outras potências”, explica.

Singh não acredita que o país esteja buscando desesperadamente o status de superpotência.

“A Índia sabe que ainda há muito trabalho a fazer, mas acho que reconhece que mais cedo ou mais tarde isso vai acontecer.”

2. Alinhamentos múltiplos

Enquanto a Guerra Fria ditava a política internacional de muitos países, a Índia recorreu a uma política de não-alinhamento que em 1961 acabou por se tornar um fórum: o Movimento dos Não-Alinhados.

Mas já há alguns anos, Nova Déli abandonou a sua posição histórica de não-alinhamento para exercer o “multialinhamento estratégico”.

Em maio de 2022, a Índia participou da cúpula de líderes do Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad) em Tóquio, onde Modi afirmou que a Índia compartilha objetivos comuns com os outros membros (Austrália, Japão e EUA) na região do Indo-Pacífico.

Em junho do mesmo ano, Modi apareceu acompanhado do presidente da China, Xi Jinping, e do russo Vladimir Putin na 14ª Cúpula dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) realizada em formato virtual e pediu para fortalecer a identidade do grupo.

Pouco depois, o chanceler alemão Olaf Scholz convidou a Índia a participar da Cúpula do G7 (grupo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) na Baviera como país parceiro.

Ao participar nestas cúpulas com visões do mundo tão diversas, a Índia exerce um “multialinhamento estratégico”: uma política externa que é mais pragmática do que ideológica.

As prioridades estratégicas do país vêm em primeiro lugar e as alianças geopolíticas tendem a ser fluidas: um aliado em uma questão pode ser um adversário em outra.

“A Índia é um importante parceiro econômico e de segurança para o Ocidente e sabe que é. Ao mesmo tempo, vê-se como líder do Sul global e tem uma relação histórica com a Rússia”, explica o economista Ronak Gopaldas.

“Por tudo isto, a Índia tenta maximizar a sua influência estratégica e econômica para conseguir acordos econômicos favoráveis para o país.”

Golpaldas salienta que o multialinhamento estratégico requer uma diplomacia muito boa e a Índia tem tido até agora sucesso na implementação desta política como uma potência em ascensão que tem “um pé no Quad e outro nos Brics”.

“Provavelmente chegará um momento em que terá que escolher um lado, tudo dependerá de quão eficaz sua diplomacia continuará sendo.”

3. Uma poderosa diáspora

A Índia tem uma das maiores e mais bem-sucedidas diásporas (dispersão populacional por vários países) do mundo.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), são 18 milhões de pessoas, mas Nova Déli garante que há 30 milhões de indianos no exterior – se incluídos aqueles que renunciaram à nacionalidade indiana, já que o país não permite a dupla nacionalidade.

Eles vivem principalmente nos países do Golfo Pérsico, nos EUA, Reino Unido e Canadá.

Estes emigrantes tornaram-se uma grande força econômica.

Em 2023, eles enviaram quase US$ 125 bilhões (R$ 640 bilhões) em remessas para seu país de origem, cerca de 3,4% do PIB do país, tornando a Índia o principal destinatário de remessas internacionais no mundo.

A diáspora indiana é geralmente educada e rica. Dois grandes exemplos do sucesso de seus descendentes são Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos, e Rishi Sunak, primeiro-ministro do Reino Unido.

E em meados do ano passado, Ajay Banga, nascido perto de Bombaim, foi nomeado presidente do Banco Mundial, uma das instituições financeiras mais importantes do mundo.

Os indianos ou descendentes de indianos também lideram gigantes da tecnologia como Google, IBM e Microsoft.

Desde que chegou ao poder em 2014, o primeiro-ministro Narenda Modi tem procurado estabelecer laços estreitos com seus compatriotas no exterior, a quem chama de “embaixadores da marca” Índia.

Ele sabe que ter uma diáspora de sucesso cria muitas vezes uma imagem positiva do país de origem e que pode contar com ela para promover os interesses do país no exterior.

“Não há dúvida de que a grande diáspora indiana que está atualmente espalhada pelo mundo, na qual me incluo, e também ajuda a aumentar a influência do país e o seu soft power”, diz o economista Pushpin Singh, se referindo à estratégia de países para conquistarem poder e prestígio sem uso da força.

A influência da diáspora indiana não é nova, mas é cada vez mais visível.

“Os indianos no exterior desempenharam um papel fundamental na melhoria das relações entre os EUA e a Índia há duas décadas e isso possibilitou que ambos os países assinassem um acordo nuclear”, disse Chietigj Bajpaee, pesquisador e especialista na questão nuclear de sul da Ásia da Chatham House, um instituto de pesquisa com sede em Londres.

Ele acredita que a dimensão da diáspora indiana, seu nível de educação, de riqueza e sua presença nas grandes potências fazem dela um ativo importante para a nação asiática.

Obstáculos internos

Chietigj Bajpaee salienta que a Índia não obterá o status de superpotência em um futuro próximo e ainda enfrenta muitos desafios, tanto econômicos como sociais.

“A economia sofre com problemas estruturais. O próprio governo admite que dois terços da população indiana recebe algum tipo de ajuda alimentar: são quase 800 milhões de pessoas”, afirma.

“Há também problemas de infraestrutura, de logística e a Índia ainda tem uma economia protecionista.”

Bajpaee acredita que um indicador chave para saber se a Índia conseguirá emergir como uma superpotência será quando o país for capaz de substituir a China como motor econômico mundial. E quando se tornar uma alternativa na cadeia de suprimentos global, reduzindo a dependência com relação à China.

Modi acredita que isso vai acontecer.

“A Índia será o motor do crescimento no mundo”, declarou o presidente durante uma visita à África do Sul no ano passado.

Ao final de 2023, o país consolidou o título de grande economia que mais cresce no mundo, com avanço anualizado de 8,4% nos últimos três meses do ano.

Abordar as crescentes disparidades entre o norte e o sul do país é também uma prioridade para muitos indianos.

Embora seja verdade que o país registrou um rápido crescimento nos últimos 20 anos, a riqueza não chegou a todos.

Em geral, o sul e o oeste do país (exceto Rajastão e Kerala) são mais ricos e mais desenvolvidos do que o norte, que é mais rural e populoso.

Enquanto no sul se pode ver uma Índia próspera, cheia de novas empresas e indústrias, milhões no norte vivem na pobreza e são os mais afetados pelo desemprego, um grande problema em nível nacional.

Apenas 40% da população em idade ativa da Índia trabalham ou querem trabalhar, de acordo com dados do ano passado do Centro de Monitoramento da Economia Indiana (CMIE).

O novo governo da Índia precisa criar empregos suficientes para sua população e incentivar a incorporação das mulheres no mercado de trabalho: apenas 10% das mulheres em idade ativa trabalhavam no final de 2022, segundo o CMIE.

Polarização

A polarização política também se tornou um grande problema.

Desde o século 19, persiste o dilema sobre se a Índia deveria ser uma nação secular ou hindu, já que cerca de 80% da população se identifica com esta religião.

O debate intensificou-se desde 2014, quando o partido nacionalista hindu BJP, de Modi, venceu as eleições.

A discriminação contra a população muçulmana aumentou.

A autora Devika Rege, que publicou recentemente Quarterlife, um romance sobre a transformação da Índia após as eleições de 2014, acredita que seu país está passando por uma onda de “desarmonia comunitária”.

Ela diz que a sociedade se polarizou e que as liberdades civis foram comprometidas desde aquela eleição.

Tensões geopolíticas

Muitos também acreditam que o crescimento da Índia pode ser prejudicado devido à sua geografia.

“Esta é uma região com muitas tensões geopolíticas”, explica o economista Pushpin Singh.

A Índia mantém uma relação muito tensa com o Paquistão, nação vizinha que também desenvolveu armas nucleares e disputa a região da Caxemira, onde os muçulmanos são maioria.

Ambos os países reivindicam toda a região, mas controlam apenas partes dela. Eles já travaram duas guerras e um conflito menor na região.

A Índia e a China, que também reivindica uma parte da Caxemira, discordam sobre a linha fronteiriça na região do Himalaia e já entraram em confronto no passado.

Desde a década de 1950, a China recusa-se a reconhecer as fronteiras concebidas durante a era colonial britânica.

Em 1962, isto levou a uma guerra breve mas brutal entre os dois países, que terminou em derrota militar humilhante para a Índia.

Mais recentemente, em 2020, ambas as potências voltaram a se enfrentar.

Os outros vizinhos da Índia incluem o Afeganistão e Mianmar, países que estão mergulhados em guerras civis. São conflitos que, segundo Bajpaee, prejudicam o crescimento e o potencial da Índia.

“A grande questão é se a Índia pode prosperar sem a sua região”, afirma o pesquisador da Chatham House.

A maioria acredita que sim.

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CropLife Brasil: biotecnologia é solução para a produção agrícola sustentável

A biotecnologia na agricultura, modificação genética de plantas para conferir características desejáveis, tem sido um dos melhores métodos utilizados para resistência a pragas e herbicidas, adaptabilidade às mudanças climáticas e aumento da produtividade. Convidado do programa CB.Agro — parceria entre Correio e TV Brasília — desta sexta-feira (26/4), o presidente da Croplife Brasil, associação de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para a produção agrícola sustentável, Eduardo Leão, explicou quais sãos os impactos econômicos positivos e ganhos para os produtores.

Leão explica que equilibrar o crescimento econômico com práticas agrícolas sustentáveis é o que aumenta a produtividade sem comprometer o meio ambiente, assim, a tecnologia entra nesse processo. “O desmatamento só pode ocorrer com ganhos de produtividade. A tecnologia tem um papel fundamental nesse processo, nos últimos 40 anos, quando o Brasil deixou de ser um importador de alimentos e passou a ser essa potência exportadora, aumentamos a nossa produtividade em mais de três vezes. É importante também nos atentarmos para que esse ganho de tecnologia, aumento de produção e produtividade, não venha a causar impactos negativos ao meio ambiente. Há uma preocupação muito grande da indústria para garantir, não apenas, que sejam produzidas tecnologias cada vez mais ambientalmente sustentáveis, mas que a utilização seja feita de uma forma correta e adequada”.

Ele sublinha que há um compromisso da indústria em desenvolver tecnologias mais sustentáveis e promover práticas agrícolas responsáveis. Leão expressou otimismo quanto ao futuro, destacando as oportunidades para impulsionar o crescimento econômico por meio da inovação e da adoção de boas práticas agrícolas.

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Pacheco engrossa o tom após Zanin conceder liminar favorável ao governo

Poucas horas depois de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin conceder, nesta quinta-feira (25/4), liminar favorável ao governo em relação aos questionamentos da desoneração da folha, cujo veto foi derrubado pelo Legislativo, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), engrossou o tom, criticou a decisão e ainda prometeu um contragolpe.

“O governo federal erra ao judicializar a política e impor suas próprias razões, num aparente terceiro turno de discussão sobre o tema da desoneração da folha de pagamento. Respeito a decisão monocrática do ministro Cristiano Zanin e buscarei apontar os argumentos do Congresso Nacional ao STF pela via do devido processo legal”, escreveu Pacheco, nas redes sociais. O senador disse que tomará “providências políticas que façam ser respeitada a opção do Parlamento pela manutenção de empregos e sobrevivência de pequenos e médios municípios”.

O senador, que também preside o Congresso, informou que, nesta sexta-feira (26/4), no primeiro horário, vai se reunir com a consultoria e a advocacia do Senado para tratar do tema. “Uma reunião de líderes do Senado também será convocada extraordinariamente”, completou.

Angelo Coronel (PSD-BA), senador indicado para ser o relator do Orçamento de 2025 no Congresso, engrossou o coro com Pacheco e afirmou que sobre a ação impetrada pelo governo no STF contra a desoneração da folha, prorrogada pelo Congresso até 2027. “Em primeiro lugar tenho que registrar que foi uma grande falta de respeito do governo para com o Congresso Nacional essa ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) – impretada pela Advocacia-Geral da União (AGU) na quarta-feira (24/4)”, escreveu, em nota.

“O Congresso votou essas matérias com apoio da ampla maioria dos parlamentares. O governo prega a paz e a harmonia e age com beligerância. Sem dúvidas poderá haver prejuízo grande com perspectiva de desemprego por parte dos 17 seguimentos q mais empregam no Brasil”, disse o senador. “Esperamos que a maioria do STF derrube essa ADI proposta pelo governo federal q não acatou a decisão da maioria esmagadora da casa das leis”, complementou.

Assim como Pacheco, o presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), não poupou críticas à judicialização da prorrogação da desoneração da folha e alertou para o aumento das tensões entre os Poderes Legislativo e Executivo.

“Como já era esperado, o governo federal decidiu questionar judicialmente a lei que prorroga a desoneração da folha de pagamentos, na medida em que não conseguiu conquistar a vitória que desejava em plenário. Não foi vitorioso na primeira votação, como também foi derrotado na apreciação dos vetos presidenciais e, por fim, no insucesso da Medida Provisória 1.202/24”, escreveu o parlamentar, em nota, citando a MP da reoneração da folha, publicada no fim de dezembro do ano passado, mas que Pacheco ameaçou devolver e o governo prometeu enviar em separado um projeto de lei das medidas complementares.

De acordo com Passarinho, “não há dúvidas de que o movimento do Executivo contribuirá para prolongar o tensionamento nas relações com o Legislativo, que fez valer em cada um dos votos no Congresso o anseio da sociedade civil organizada, que procura segurança jurídica e redução do Custo Brasil para gerar empregos e renda”. “Nesse sentido, a judicialização da política simboliza um retrocesso em termos sociais e econômicos”, acrescentou.

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Universidades e cientistas da Argentina protestam contra ajuste de Milei

Estudantes e professores da Universidade de Buenos Aires (UBA) protestam com aulas públicas nas ruas e abraços simbólicos a prédios, em repúdio ao drástico ajuste do governo, que pode provocar o fechamento da instituição em dois ou três meses, alertaram suas autoridades nesta quinta-feira (18).

O presidente ultraliberal Javier Milei não atualizou o orçamento da universidade, que funciona com recursos de 2023, em um momento em que o país sofre com uma inflação de 288% ao ano.

“Se a situação não mudar, em dois ou três meses a UBA poderia fechar”, disse, nesta quinta, durante coletiva de imprensa, Ricardo Gelpi, reitor da universidade, a mais importante do país, com mais de 300 mil alunos.

“Nunca vivemos esta situação nos últimos 40 anos de democracia”, ressaltou Gelpi. “Chegamos a um ponto de extrema gravidade, no qual o futuro de centenas de milhares de argentinos e argentinas se vê comprometido”, acrescentou.

A UBA, que se declarou em “emergência orçamentária”, restringiu o uso de eletricidade e gás e, desde a quarta-feira, suas salas de aula e corredores estão na penumbra, sem ar condicionado ou calefação, e com seus elevadores reservados para pessoas com deficiência.

Universidades públicas em todo o país convocaram uma marcha nacional para 23 de abril, que se espera multitudinária.

Nas últimas semanas, foram oferecidas aulas abertas na via pública e centenas de pessoas deram, nesta quinta, um abraço simbólico no hospital das Clínicas, um dos seis subordinados à UBA que, segundo informou seu diretor, Marcelo Melo, funciona “a 30% ou 40% de sua capacidade” devido à falta de recursos.

O porta-voz da Presidência, Manuel Adorni, assegurou, nesta quarta-feira, que “as universidades não vão fechar” e que “foi apresentado em 9 de abril um pedido de aumento do volume orçamentário ao qual deu sequência”.

No mês passado, o governo havia anunciado um aumento de 70% para os gastos com o funcionamento das universidades nacionais que, segundo explicou o vice-reitor Emiliano Yacobitti ao canal TN, no caso da UBA só dá para cobrir os gastos de funcionamento, que representam 14% do total.

Também na quarta-feira, integrantes do conselho de pesquisas científicas Conicet entregaram às autoridades mais de mil cartas com adesões de pesquisadores estrangeiros em apoio à ciência argentina diante da suspensão de bolsas e das demissões na entidade.

Milei denunciou em sua conta na plataforma X que há “doutrinamento” nas universidades, e compartilhou uma série de cartazes colados por grupos políticos em universidades com legendas contra ele.

Gabriela Berg, bioquímica e professora de UBA de 60 anos, que participou da mobilização desta quinta-feira, nega.

“Não há doutrinamento, como em todas as universidades do mundo pode haver militância política, mas de todos os partidos políticos; nenhum está vedado”, disse à AFP.

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Lula sobre EUA: “Latinos à procura de trabalho são tratados como bandidos”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quarta-feira (17) que latino-americanos são tratados como bandidos nos Estados Unidos quando imigram para o país em busca de trabalho. A declaração ocorreu durante participação do chefe do Executivo ao Fórum Empresarial Brasil-Colômbia, em Bogotá.

“Depois de 500 anos de existência continuamos pobres. É nesse continente que tem mais desemprego, que junto com a África tem mais desnutrição, tem mais fome, menos perspectivas e por isso os EUA que deveria cuidar disso, gerando emprego junto aos seus vizinhos, os EUA tem uma política de construir muro para proibir que latino-americanos à procura de chance de trabalho, na publicidade tão grande que eles fazem, são considerados bandidos”, apontou.

Lula também criticou o que chamou de “subserviência” a países desenvolvidos e pregou integração na América do Sul para relações comerciais e parceria estratégica.

“Estou convencido de que quanto mais fortes nós estivermos, mais nós seremos respeitados pelos EUA, UE, China, Rússia ou pela Índia. Não é a subserviência que faz a gente crescer. O que faz a gente crescer é uma posição ativa e altiva para que a gente se faça respeitar no mundo dos negócios”, defendeu.

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Haddad aponta que governo precisa “explicar melhor” contas públicas do país

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu nesta terça-feira (16/4) que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa dar melhores explicações quanto ao rumo das contas públicas no Brasil. De acordo com o ele, o país está gastando mais do que arrecada há 10 anos e isso não está promovendo crescimento econômico.

“Eu acredito que nós precisamos explicar melhor, ao longo do tempo, o que vai acontecer com as contas públicas brasileiras”, disse Haddad a jornalistas, em Washington, DC, nos Estados Unidos. “Nós queríamos antecipar o quanto antes o equilíbrio fiscal, mas nós estamos numa democracia e nós estamos negociando as medidas com o Congresso”, emendou o ministro.

Ele previu que a despesa vai cair para baixo de 19% do Produto Interno Bruto (PIB) e a receita vai superar os 18% neste ano. Haddad afirmou ainda que esses porcentuais podem sofrer alguma alteração a depender do futuro das medidas que o governo enviou para o Congresso.

Haddad está em Washington para participar das reuniões de Primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Além disso, ele também lidera a segunda reunião de ministros das finanças do G20, do qual o Brasil detém a presidência neste ano.

*Com informações da Agência Estado

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Campos Neto sobre mudança na meta fiscal: “Torna nosso trabalho mais difícil”

Em meio a mudança da meta fiscal pelo governo, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse nesta segunda-feira (15/4) que se as pessoas perderem a confiança na âncora fiscal, a âncora monetária será afetada. “Torna nosso trabalho muito mais difícil se houver a percepção de que não há uma âncora fiscal, porque a âncora fiscal e a âncora monetária precisam trabalhar juntas”, destacou durante a participação em evento nos Estados Unidos.

Ao apresentar o projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o próximo ano, o governo propôs alterar a meta de superavit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para uma meta zero, em busca de um resultado primário mais “factível”.

Campos Neto avaliou que o fiscal está se tornando cada vez menos coordenado com o monetário na maior parte do mundo. Em referência à mudança promovida pelo governo, o chefe da autoridade monetária disse que a autarquia evita comentar sobre a política fiscal, mas frisou que, se há perda de credibilidade ou transparência no fiscal, há aumento de custos da política regida pelo BC.

Em linha com a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), ele voltou a dizer que o ideal é que as metas não sejam alteradas. “Sempre que há uma mudança no governo que torna a âncora fiscal menos transparente ou menos crível, significa que você tem que pagar com custos mais altos do outro lado, então o custo da política monetária se torna mais alto”, disse, ao ponderar que o mercado tinha um número muito pior para o fiscal do que a nova meta realmente adotada.

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Governo já tem categoria ‘predileta’ para conceder reajuste federal em 2024

Não é de hoje que um cenário de tensão só cresce nas negociações entre governo federal e entidades representativas. Nesta semana, então, as coisas pioraram. Na reunião que tratou de possível reajuste ainda para 2024, a União sinalizou que a proposta de 4,5% em 2025 e 4,5% em 2026 está mantida. E mais: trativas de correção nos vencimentos passarão a ser discutidas especificamente com cada categoria. Nos bastidores, a ação representa a preocupação dos gestores com as greves dos técnicos-administrativos nas faculdades e institutos federais. Já é certa a ideia de que eles serão prioridade para receberem aumento ainda este ano. Segundo fontes do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), uma proposta formal será entregue à categoria até o início de maio.

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A saída daria alívio financeiro, em comparação a um reajuste geral a todos os 200 mil servidores ativos, bem como retiraria de pauta a principal reivindicação desses funcionários da educação.

O MGI também não tirou de mesa o aumento de 51% nos benefícios, que só atingiria funcionários ativos.

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Segundo os grandes fóruns de servidores federais, a atitude representa regresso, já que um possível reajuste linear fica de escanteio.

Além disso, o aumento nos benefícios deixaria de fora a grande massa dos funcionários públicos aposentados e pensionistas, já que eles não recebem auxílios e vales.

A maior crítica dos servidores incide no argumento da União de que faltam recursos para uma correção geral.

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Outro ponto polêmico foi a indicação do MGI de que, caso qualquer categoria entrasse em greve, as negociações seriam encerradas. Quando essa cláusula foi exposta no encontro com os sindicatos, houve gritaria e pedido de que o encontro fosse cancelado.

O burburinho foi tanto que, horas depois, o MGI largou a exigência de mão. Agora, os representantes sindicais têm até amanhã para darem o aceite ou a recusa à proposta.

Ministra elucida cálculo de proposta entregue a classes

Em nota, a ministra do MGI, Esther Dweck, lembrou que o governo chegou a propor novos reajustes para os dois próximos anos, que, somados aos 9% já concedidos em 2023, representariam recomposição salarial de 19%. O valor ficaria acima da inflação projetada para o período.

Entenda: Entidades criticam fala de ministra sobre reajuste acima de 19% até 2026

– A oferta dos dois reajustes de 4,5% para os próximos anos foi rejeitada pelos servidores e, diante disso, o governo buscou alternativas para promover o aumento dos rendimentos dos funcionários públicos.

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As várias vidas do monge brasileiro que desafiou duas ditaduras

“Descer uma escada encapuzado não é uma boa sensação”, lembra o monge budista brasileiro Ademar Kyotoshi Sato.

Naquele dia, ele tinha 31 anos de idade e ainda não era monge.

Fugindo da ditadura no Brasil, havia abandonado o posto de professor de Economia da USP e se mudado para o Chile, onde passou a assessorar o governo do socialista Salvador Allende em 1971.

Até que ele virou alvo da repressão após queda do presidente chileno em um golpe militar, em 1973.

Na primeira noite depois do golpe, Sato foi sequestrado à noite em sua casa, na capital chilena Santiago, por um grupo civil de extrema direita.

Organizações como aquela vinham promovendo atentados para desestabilizar o governo Allende, além de perseguir militantes de esquerda.

“Estavam me levando para os Andes”, conta Sato em voz pausada e com um sorriso que mantém até nos momentos mais dramáticos da entrevista, concedida à BBC em seu apartamento, num bairro arborizado de Brasília.

A cordilheira que margeia Santiago era um dos locais de desova de corpos de intelectuais, estudantes e operários que o novo regime via como inimigos. Mas, na saída da cidade, o carro foi parado em uma blitz.

Como o Chile estava sob estado de sítio e o grupo não tinha permissão para deixar a cidade, Sato foi entregue aos policiais. “Aí me jogaram numa delegacia”, conta.

O brasileiro passou a noite junto de vários outros militantes políticos recém-capturados. “As pessoas eram chamadas, ouvia-se um tiro fora, e a pessoa não voltava”, ele diz.

Foi então que, encapuzado, Sato foi forçado a descer uma escada.

“Me tiram o capuz, e eu vejo um pelotão de fuzilamento na minha frente”, conta.

Eram cerca de dez homens com metralhadoras, ele diz.

Um militar se apresentou para interrogá-lo, e Sato perguntou por que havia sido detido.

“Porque você é o assessor chinês do Allende”, respondeu o oficial. Acharam que Sato fosse um agente do governo comunista da China.

Por sorte, o brasileiro portava o passaporte diplomático com que entrara no Chile anos antes, como estagiário da Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, um dos órgãos regionais da ONU.

“Daqui a pouco, o oficial volta e começa a me chamar de doutor”, ele diz. Ao conferir o passaporte, o militar reconheceu o erro e pediu desculpas ao brasileiro.

Ele não sabia que, embora Sato não fosse um comunista chinês, tinha sido um dos colaboradores estrangeiros mais próximos do governo Allende, encarregado de coordenar operários em fábricas abandonadas por patrões.

Quando Sato foi liberado pelo oficial, fazia 72 horas que os militares haviam derrubado Allende – que, cercado no palácio presidencial La Moneda, matou-se com um tiro no rosto.

Desde então, o economista já havia ficado perto da morte duas vezes. Ele conta que ficaria mais duas nos dias seguintes, até finalmente conseguir fugir do Chile rumo ao Brasil.

“Em cinco dias, passei por quatro situações de morte certa”, diz.

A temporada no Chile – da proximidade com Allende à mira de um pelotão de fuzilamento – representou um dos períodos mais marcantes na trajetória do brasileiro.

Em 82 anos de vida, Sato testemunhou dois golpes militares, assessorou o movimento sindical que projetou Luiz Inácio Lula da Silva e participou do primeiro governo civil no Brasil após a redemocratização.

Também foi dirigente estudantil, acadêmico e membro da Juventude Universitária Católica.

Aos 56 anos, aposentado do serviço público e abalado por duas tragédias familiares, mergulhou no budismo e virou monge.

Hoje investiga se há valores que atravessem culturas e religiões – pesquisa que já o fez visitar aldeias indígenas no Acre, a experimentar ayahuasca e a visitar o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica.

Filho da Segunda Guerra

Sato nasceu em São Paulo em janeiro de 1942, meses após seus pais chegarem de navio do Japão.

Sua mãe pertencia a uma família aristocrática decadente. Já o pai nascera no Brasil, mas, filho de japoneses, viajou ao Japão para servir no Exército Imperial Japonês.

O casal emigrou durante a Segunda Guerra Mundial, pouco antes do rompimento das relações diplomáticas entre o Brasil e os países do Eixo, incluindo o Japão.

“Eu me lembro muito bem que os meninos da vizinhança corriam de pedras e pau na mão gritando: ‘japinha, volte para casa, a sua casa é o Japão, o Japão perdeu a guerra'”, diz Sato.

Os pais falavam pouco de política em casa – ele diz que só se interessou pelo assunto ao entrar no curso de Economia da Universidade de São Paulo (USP), no início dos anos 1960.

Quando os militares tomaram o poder em 1964, Sato era um dos diretores da UNE, a União Nacional dos Estudantes.

Ele soube do golpe pelo rádio, quando estava na sede da UNE em São Paulo. “Fiquei sereno”, conta, “mas sabia que, dali para frente, talvez se iniciasse uma outra fase da história do Brasil”.

Sato se formou em 1964 e virou professor de Economia da USP no ano seguinte.

“Os alunos participavam muito de movimentações contra a ditadura. E, de repente, um aluno sumia”, ele diz.

Sato começou a visitar alunos presos no Dops (Departamento de Ordem Política e Social), um dos principais órgãos de repressão da ditadura.

“Passei a ser seguido, [queriam saber] quem era aquele professor jovem que visitava os alunos presos”, lembra.

Alguns de seus colegas professores também haviam sido detidos – caso do sociólogo Florestan Fernandes, com quem Sato tivera aulas.

Sentindo-se ameaçado, o economista se inscreveu na seleção para uma vaga de estagiário na Cepal, comissão da ONU sediada no Chile.

A organização vinha acolhendo vários intelectuais que fugiam da ditadura no Brasil. Um deles era o economista José Serra, que décadas depois se elegeria governador de São Paulo. Outro era o sociólogo – e futuro presidente – Fernando Henrique Cardoso.

Sato passou na vaga e se mudou para Santiago em janeiro de 1970. Oito meses depois, o médico Salvador Allende, do Partido Socialista, ganhou as eleições presidenciais do Chile.

“Ele era um burguês, gostava de tomar uísque, de tomar chá, mas tinha uma mentalidade socialista”, diz Sato.

Os dois só se aproximaram no segundo ano do governo, depois de uma visita do líder socialista cubano Fidel Castro ao Chile.

Até então, Sato estava alinhado às diretrizes da Cepal – organização que, embora abrigasse esquerdistas, estava longe de ser revolucionária. Afinal, era um braço da ONU, criada sob influência dos EUA no pós-Segunda Guerra para promover a integração global.

Mas algo mudou quando Sato viu o cubano falar. Na sede da Cepal, diante de um auditório lotado, Fidel elogiou a comissão por realizar “um importante papel no campo das ideias e na divulgação de realidades”.

Mas o cubano também criticou a organização em um de seus pilares: “Com quem vamos nos integrar? Com um monopólio norte-americano? Com interesses particulares? Como é possível essa integração?”, questionou.

Sato achou que Fidel tinha um ponto e resolveu se engajar na construção do socialismo, acercando-se de Allende.

O presidente chileno enfrentava graves problemas. No campo, enquanto milhares de fazendas eram expropriadas para a reforma agrária, camponeses e fazendeiros se enfrentavam.

Nas cidades, empresários assustados com um programa de estatizações abandonavam suas fábricas. Houve desabastecimento, e a inflação explodiu.

“Ficou uma quantidade enorme de trabalhadores sem patrão”, lembra Sato.

O brasileiro propôs a Allende implantar nas indústrias o planejamento participativo, um método inspirado na obra do educador Paulo Freire (1921-1997) na qual os próprios operários participam da gestão.

Ele diz que Allende concordou e lhe cedeu um jato para que visitasse as fábricas espalhadas pelo país. O presidente tinha pressa: as turbulências se agravavam, e grupos pró e contra o governo se combatiam nas ruas.

“Começou a dar certo, mas aí veio o golpe”, diz Sato.

Em 11 de setembro de 1973, militares cercaram o palácio presidencial La Moneda e forçaram Allende a renunciar.

Quando Sato soube da movimentação das tropas, quis se juntar a Allende e vários de seus ministros no palácio. Mas não conseguiu, pois o edifício estava cercado por militares.

Como Allende se recusava a deixar o palácio, um caça da Força Aérea Chilena passou a bombardear o edifício.

“Tivesse chegado cinco minutos antes, talvez os portões não estivessem bloqueados, e eu entrasse para não sair mais”, diz.

Quando as tropas lideradas pelo general Augusto Pinochet tomaram o prédio, Allende foi encontrado morto. Segundo uma investigação concluída em 2011, o presidente se matou antes que os militares entrassem.

Ali começava o suplício de Sato: primeiro sequestrado por um grupo extremista, depois levado à prisão em que se deparou com um pelotão de fuzilamento.

Após ser salvo graças ao passaporte da ONU, Sato ainda foi visitado por policiais militares em casa, na noite seguinte. Ali ele guardava, atrás de uma estante, documentos que detalhavam sua cooperação com o governo Allende.

“O policial sobe na escadinha, espia lá dentro e diz: ‘não tem nada aqui, não'”, conta Sato. O brasileiro diz acreditar que o agente era simpático a Allende e se mantinha na corporação “para tentar livrar a cara dos companheiros”.

Sato ainda passaria por um último apuro. No dia seguinte, quando foi buscar um visto de saída para voltar ao Brasil, ouviu de um funcionário público que seu nome estava numa lista de pessoas impedidas de deixar o Chile.

O funcionário, diz Sato, ameaçou lhe enviar ao Estádio Nacional – arena que abrigou milhares de presos políticos depois do golpe no Chile, e onde vários deles foram torturados e executados.

Então Sato diz ter reconhecido um policial que passava pelo corredor – era o mesmo que, na noite anterior, examinara a estante em sua casa.

Chamado por Sato, o policial confirmou que a polícia visitara o brasileiro e não achara nada comprometedor. O visto foi emitido, e Sato voltou ao Brasil.

Sob Pinochet, o Chile viveria uma ditadura militar até 1990. Em 2011, uma comissão do governo chileno calculou em 40 mil as vítimas do regime.

Dessas, cerca de 3 mil desapareceram ou foram mortas por agentes do Estado.

O retorno ao Brasil

Quando voltou ao Brasil, Sato resolveu morar na Bahia por achar que, ali, seria menos visado. O ano era 1974, e o Brasil também ainda estava sob uma ditadura.

Ele recebeu um convite para trabalhar na gestão de Mário Kertész na prefeitura de Salvador, e ali ficou.

Sato viveu, então, duas tragédias na família num curto intervalo.

Primeiro, a morte de seu único irmão, na época com 30 anos, num acidente de carro. No ano seguinte, um dos filhos de Sato, que iria completar 8 anos, morreu após sofrer um aneurisma cerebral.

“Entrei numa depressão profunda”, ele recorda.

As perdas o estimularam a voltar a São Paulo para ficar perto do resto da família. Mas também havia outro motivo para a mudança.

Sato estava entusiasmado com o sindicalismo que ganhava força no ABC Paulista e via o movimento como capaz de acelerar a queda da ditadura.

Ele conseguiu um emprego no Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas de Estudos Econômicos), órgão que assessora os sindicatos, e conheceu o torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva, o Lula.

Sato acompanhou o célebre discurso de Lula no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, em 1979. Cerca de 200 mil operários de indústrias da região haviam decidido entrar em greve em busca de um aumento salarial.

As atenções se voltavam para o metalúrgico de 33 anos que coordenava o movimento grevista. Sato diz que, naquele dia, Lula o procurou.

“Ele disse: ‘Senta aqui, Sato, vamos conversar, estou nervoso. Estou acostumado com a vida sindical, mas me disseram que hoje vem a imprensa do mundo todo'”, ele conta.

Começava ali uma longa amizade. Em 2018, Sato visitou Lula quando o petista estava preso em Curitiba. Os dois se reviram pela última vez no ano passado, na cerimônia de posse presidencial.

Redemocratização

Em março de 1985, a posse de José Sarney na presidência marcou o fim da ditadura.

Sato se mudou para Brasília para trabalhar como assessor de um ex-aluno – o economista João Sayad, nomeado ministro do Planejamento do governo Sarney.

Depois o economista foi transferido para um órgão subordinado ao ministério, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), onde trabalhou até se aposentar, em 2006.

Mas, mesmo antes de deixar o serviço público, a vida de Sato já tomava outros rumos – em parte, por conta da perda do irmão e do filho anos antes.

Em 1994, ele entrou pela primeira vez no Templo Shin-Budista Terra Pura de Brasília, uma imponente construção em estilo tradicional japonês na Asa Sul.

Um monge japonês falava aos presentes em japonês.

“Ele dizia: ‘Compaixão do Buda é como amor de mãe, porque a mãe está sempre nos salvando. Você ia puxar a panela, ia se queimar de forma grave, quando sua mãe vem não sei da onde e te salva’. Poxa, isso me chamou a atenção.”

Sato sentiu que talvez o budismo pudesse ajudá-lo a lidar melhor com as perdas familiares.

Ele passou a estudar a religião e a se oferecer como intérprete do monge, que não falava português.

Sato conta que, até então, nada sabia sobre o budismo – apesar dos laços familiares com o Japão, onde a religião é bastante popular.

Antes, era cristão e chegou a integrar a Juventude Universitária Católica, um movimento católico de esquerda.

Os estudos de Sato sobre o budismo incluíram uma temporada no Japão. Em 1998, foi diplomado como monge e, em 2007, assumiu a regência do templo em Brasília, posto que ocupou até 2022.

Mas Sato nunca deixou de falar sobre política e nunca viu a atividade como alheia ao universo religioso. Nas cerimônias que conduzia no templo, defendia a democracia e narrava com frequência os apuros que viveu no Chile.

“A democracia pode ser um sistema imperfeito, mas, enquanto não aparecer um sistema humano que seja mais perfeito, é a democracia que vale. Ditadura, nunca mais”, afirma.

Hoje Sato segue difundindo o budismo em palestras e nas redes sociais, mas não quer falar apenas a budistas – e nem só sobre religião.

“O mundo todo está em dificuldade e chegando a um abismo. Está chegando a época de transpormos as crenças religiosas e transpormos as barreiras culturais”, defende.

Nos últimos anos, Sato passou a investigar se há valores comuns às diversas culturas e religiões existentes no Brasil.

Uma de suas leituras mais recentes foi A queda do céu, livro escrito pelo xamã yanomami Davi Kopenawa e pelo antropólogo francês Bruce Albert.

Em 2020, Sato visitou aldeias do povo indígena Ashaninka, no Acre, e provou ayahuasca em uma cerimônia tradicional.

Por ter tomado uma dose pequena, diz que não sentiu muitos efeitos. “A ayahuasca tem a propriedade de não lhe fazer perder a essência da consciência, mas sim expandi-la. É isso o que todas as religiões buscam”, afirma.

Outro ponto que o impressionou na viagem foi a convivência entre indígenas e animais. “Tinha um casal de pacas e, toda vez que eu assistia ao cerimonial da ayahuasca, esse casal aparecia e ficava junto de mim”, lembra.

A relação com os bichos na aldeia o remeteu a um preceito budista – a noção de que humanos podem reencarnar como outras espécies, e vice-versa.

Sato estende a possibilidade aos dois cães com que divide a casa, a lhasa Mei Mei e o shih-tzu Kyoshi. “Os bichinhos que estão aqui, que me amam, podem ser renascimento de outros seres do passado. Como podem renascer no futuro como outros seres.”

Em outra viagem, em 2019, esteve nos arredores de Montevidéu para visitar o ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica.

Para Sato, ainda que o ex-presidente uruguaio não tenha religião, “vive como se fosse um verdadeiro budista” e segue três princípios do budismo popular japonês: agradecimento à vida (arigatai), simplicidade (mottainai) e humildade (sumimasen).

Após deixar a regência do templo, Sato passou a ter mais tempo para os dois filhos e quatro netos. Recentemente, separou-se da segunda esposa – que, também monja, migrou para uma corrente budista que lhe exige o celibato.

Hoje ele mora sozinho com os dois cães.

Aos 82 anos de idade, Sato diz acreditar que pode “morrer a qualquer momento”.

Tem medo da morte? “Não. As folhas das árvores envelhecem, caem e morrem, mas não morrem: elas servem de alimento para o novo ciclo de vida”, diz.

“Por ter passado por várias situações de morte, eu até penso na auto-morte: por que que eu estou vivendo? Por que não aproveito a onda e desapareço?”, questiona.

“O que me segura é que eu não tenho certeza se eu passei na plenitude essa minha vida aqui na Terra. Então, estou deixando que a vida continue.”

Crise na Petrobras: O personagem que fez Silveira recuar dos ataques a Prates

Quem acompanhou de perto o desenrolar da crise que quase derrubou do cargo o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, não entendeu a guinada no comportamento do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Depois de passar dias fustigando Prates tanto publicamente como nos bastidores do governo, Silveira recuou e passou a elogiar o CEO da estatal, diminuindo a pressão por sua saída.

Em uma entrevista coletiva na quarta-feira (9), ele disse ter o “mais profundo respeito e admiração” pelo presidente da Petrobras. “Tenho carinho e profundo respeito pelo ser humano que ele é.”

Aos aliados que o questionaram sobre a razão dessa guinada, o ministro não deu nenhuma explicação mais aprofundada. Mas os movimentos em torno dele nos últimos dias não passaram despercebidos – especialmente os do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Patrocinador político da indicação de Silveira para o ministério de Lula, Pacheco falou diretamente com ele para puxar o freio e parar com as pressão sobre Prates, no início da semana. Também aproveitou uma reunião com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) para dizer que ele, Pacheco, considerava o trabalho de Prates bom e que não via razões para a troca.

Àquela altura, vários senadores tinham pedido a Pacheco para pedir que poupassem o presidente da Petrobras. Um deles com peso especial – Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), talvez o mais próximo aliado de Pacheco na Casa e seu potencial substituto na presidência do Senado.

Na descrição de um interlocutor de ambos, Prates, que assumiu uma vaga no Senado pelo Rio Grande do Norte em 2019 depois que a titular, Fátima Bezerra (PT), se elegeu governadora, havia procurado alguns antigos colegas para “cobrar favores antigos”.

No caso de Alcolumbre, nem tão antigos assim. O senador pelo Amapá e o presidente da Petrobras são aliados na disputa interna do governo pela liberação da exploração de petróleo na Margem Equatorial brasileira, em alto-mar no território amapaense.

Pesou, ainda, na disputa, o mal-estar gerado por um “dossiê” que circulou via WhatsApp com uma relação de “promessas não cumpridas” de Prates em relação a outros integrantes do governo. Divulgada pelo repórter Caio Junqueira na CNN Brasil, a lista foi classificada como “jogo pesado” até mesmo entre aliados mais próximos de Silveira em Minas Gerais, que passaram a temer os efeitos de um revide do próprio Prates contra o grupo deles no governo.

Nos bastidores, Pacheco e esses aliados chegaram à conclusão de que, como Lula estava demorando a definir a situação do CEO da Petrobras, Silveira corria o risco de ficar sozinho em uma guerra de dossiês e acusações no governo, com consequências imprevisíveis.

Pareceu a Pacheco que Silveira estava arriscando demais ao seguir a linha que o próprio Lula lhe indicara antes de o ministro dar entrevista à Folha de S. Paulo admitindo o conflito com Prates e dizendo que não abriria mão de sua autoridade como ministro sobre a estatal.

De acordo com interlocutores de Silveira, o presidente da República estava insatisfeito com o desempenho do dirigente e o autorizara a “botar pressão” sobre o presidente da Petrobras.

Depois das declarações do ministro, Prates deu outra entrevista, à colunista Mônica Bergamo, da Folha, anunciando que ia pedir a Lula uma audiência para questionar o presidente sobre sua situação na Petrobras. A atitude foi muito mal recebida pelo presidente, que não gosta de ser emparedado, e até hoje não recebeu Prates.

Ainda assim, auxiliares de Lula afirmam que a permanência do CEO no comando da empresa é mais provável hoje do que na semana passada. E que também pesou bastante nessa equação o esforço do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que teve duas reuniões com o presidente da República desde o início da crise para falar do abalo na petroleira e da discussão sobre o pagamento dos dividendos extraordinários, que ainda estão pendentes de uma resolução.

Haddad prefere Prates a Silveira e mais ainda a Aloizio Mercadante, cotado para comandar a Petrobras caso Lula realmente decida trocar seu presidente.

A pressão do mercado financeiro, que também não vê Mercadante com bons olhos – e vê a possibilidade de uma troca de comando representar um avanço do intervencionismo do governo sobre a companhia – , também teve um efeito significativo. A própria crise na empresa, criada por uma disputa de poder entre os membros da gestão Lula, também assustou os investidores que detêm grandes lotes de ações da companhia.

Tudo somado, sobraram poucas opções a Silveira a não ser a de recuar. Quem conhece o ministro, porém, aposta que é só uma trégua em uma guerra que pode durar todo o governo.