Problemas em dizer “não”? Dificuldade pode causar danos a saúde mental

Quantas vezes você respondeu uma pergunta com “sim” quando, na verdade, sua vontade era de dizer “não”? Bom, ainda que você não se considere uma pessoa com dificuldade em dizer “não”, provavelmente é incapaz de contabilizar quantas vezes deixou de dar uma resposta negativa por receio do que o outro pensaria. Um estudo conduzido, em 2022, pelo Departamento de Psicologia Comportamental da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, concluiu que as pessoas têm mais facilidade para dizer “sim” do que dizer “não”.

O famoso “vou ver e te aviso!” após receber um convite de alguém denuncia o jeitinho brasileiro de temer desagradar ao outro. No entanto, essa atitude, aparentemente inocente, é nociva e pode desencadear grandes malefícios ao indivíduo que se anula na tentativa de satisfazer o outro.

Juliana Gebrim, psicóloga e neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (Ipaf), explica que aprender a dizer “não” de maneira assertiva é fundamental para preservar o equilíbrio emocional e estabelecer relacionamentos saudáveis. “Quando alguém tem dificuldade em dizer ‘não’, podem surgir diversos malefícios, tais como: sobrecarga de responsabilidades, levando ao esgotamento físico e mental; e sentimentos de ressentimento, prejudicando relacionamentos e ao bem-estar emocional”.

Os malefícios causados por esse conflito não decorrem apenas em situações extremas. Quando você se sente obrigado a fazer o cartão oferecido por uma loja ou quando você compra uma roupa, ainda que não tenha gostado, só porque provou e não tem coragem de dizer à vendedora que não vai levar, também está invalidando suas vontades para que o outro não se sinta desapontado — sendo que, em muitas situações, o outro nem se sentiria mal de fato.

“Essa dificuldade pode ser influenciada por fatores como experiências ambientais, crenças enraizadas, baixa autoestima, experiências traumáticas e características de personalidade”, destaca. A psicóloga aponta que ambientes que desencorajam a expressão de vontades próprias e enfatizam a necessidade de agradar aos outros podem contribuir para essa dificuldade. Além disso, uma baixa autoestima e experiências traumáticas relacionadas à rejeição ou à punição por expressar vontades pessoais podem dificultar a recusa de pedidos ou a imposição de limites.

Algumas características de personalidade, como ser excessivamente complacente ou temer conflitos, também podem desempenhar um papel significativo para que essa dificuldade surja. “Compreender esses fatores é o primeiro passo para desenvolver habilidades de assertividade e estabelecer limites saudáveis, e a psicoterapia e a autorreflexão podem ser ferramentas úteis nesse processo”, expõe a especialista.

A professora bilíngue Indyara Moreira, 29 anos, confessa que a dificuldade em dizer não é uma característica de sua personalidade percebida desde a infância. Quando criança, no período escolar, sofria quando a professora pedia para que fizessem trabalhos em grupo. Muitas vezes fazia o trabalho inteiramente sozinha, por não conseguir negar a participação de alguém que não colaborava e por não conseguir expor a indignação de estar fazendo, desacompanhada, algo que era obrigação de todos os participantes. “Eu perdia tempo, qualidade de sono e momentos de lazer com a família para assumir a responsabilidade do outro, por eu não conseguir dizer um não”.

E essa não foi uma questão resumida apenas à escola, pois Indyara experimentou os malefícios da dificuldade em dizer “não” até mesmo na faculdade. A professora conta que o receio vinha do medo de machucar o outro e também pelo excesso de empatia, que sempre teve para com o outro. “Eu olhava o lado das pessoas e prejudicava o meu, isso foi enraizando e eu passei a ter uma dificuldade extrema. Desenvolvi uma ansiedade ainda maior sobre as decisões da minha vida por temer prejudicar o outro e esquecer que, na verdade, isso estava me prejudicando também”.

Em meio a tanto “sim” forçado, se viu imersa em cenários angustiantes diversas vezes. O auge foi quando aceitou ser madrinha de casamento, quando, na realidade, estava totalmente desconfortável com a situação e, depois de tudo encaminhado, teve de falar a verdade à noiva. “Eu fui tentando levar a situação, só que aquilo foi me consumindo intensamente e chegou num estágio em que eu falei ‘não, eu não quero ser madrinha de casamento’, e aí ficou uma situação muito desconfortável.”

Indyara conta que já manteve amizade por longos períodos com pessoas que a incomodavam, justamente por não querer colocar o outro num lugar de desconforto, mas hoje em dia reconhece que foi injusta consigo. Ela relata que há um tempo mantinha amizade com uma mulher bastante inconveniente que a deixava desconfortável, então evitava responder às mensagens e atender as ligações vindas dessa pessoa, mas que um dia, ao chegar em casa, se deparou com a moça sozinha com o seu esposo em sua casa e, em meio ao constrangimento da cena, Indyara teve de escutar que não foi comunicada da visita por ser mais fácil falar com seu esposo do que com ela.

“Ela jantava com a gente e queria passar tempos e tempos na minha casa, nos deixando desconfortáveis. Ficou cada vez mais constrangedor, pois ela ficava ligando para o meu marido e ele também começou a passar por situações chatas, mas por ter mais facilidade em dizer ‘não’, ele conseguiu cortá-la”.

Por meio da terapia comportamental, a professora conseguiu entender o quão nociva era a dificuldade e por qual razão se sentia assim. “Foi o momento em que eu senti que tinha alguma coisa errada, então nós começamos a tratar sobre questões da minha infância. Eu sempre acreditei que eu não poderia dar trabalho aos meus pais e que tinha que ser a filha perfeita que estudava, que tirava boas notas, que ia à igreja, que nunca dizia ‘não'”.

Todas as cobranças influenciaram a percepção de Indyara sobre os outros. A necessidade de ser uma filha perfeita desencadeou a autoimposição de ser a amiga perfeita, a esposa perfeita, a pessoa perfeita. “Para ser assim eu não poderia magoar o outro, então eu não poderia dizer ‘não’, estava sempre aberta e disponível para o outro”, contou.

“Depois de muita terapia intensiva, eu melhorei bastante e hoje eu consigo dizer ‘não’, falar que eu não quero sair, que eu não estou me sentindo bem, que eu não quero receber alguém na minha casa ou ir para certos lugares. É um alívio. É libertador! Quando você diz não para o outro você diz sim para você, e isso é incrível, é a melhor sensação que tem. Tem momentos que você não precisa ser empático, se a situação do outro prejudicará você”, complementa.

Indyara Moreira, 29 anos, confessa que a dificuldade em dizer não é uma característica de sua personalidade percebida desde a infância

Mari Avelar, psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental e parentalidade, trabalha com mulheres e sempre percebeu, em suas consultas individuais, a presença de questões relacionadas à dificuldade de imposição e de dizer “não”. Em 2021, descobriu o livro A Síndrome da Boazinha, de Harriet B. Braiker e, baseando-se na metodologia do documento, que fala justamente sobre a compulsão por agradar o outro, decidiu abrir um grupo para pacientes que sofrem da condição.

Em 2023, a psicóloga treinou estratégias com base no material e montou um grupo com duração de 21 dias, sendo que no quinto já recebeu feedbacks extremamente positivos. O direcionamento era trabalhar uma habilidade a cada dia, para que as pacientes conseguissem um posicionamento assertivo, estabelecessem os próprios limites e aprendessem a voltar o próprio olhar a si mesmas. A especialista conta que, para ela, é muito enriquecedor atuar na questão, pois é um trabalho que enxerga a pessoa como um todo, sem colocá-la na condição de “boazinha” simplesmente pelo querer, mas pela razão que exige a necessidade de agradar.

“Eu percebo que essa dificuldade tem a ver, de fato, com as relações que são estabelecidas na infância. Claro que há casos em que as pessoas desenvolvem mais tarde essa dependência do olhar do outro, da validação do outro e por isso se tornam agradadoras de uma forma realmente compulsiva, mas existem diversos aspectos, são múltiplos motivos”, explicou.

A autônoma Luziane Aragão, 21 anos, é um exemplo real dos aspectos citados pelas especialistas, para além da infância. Quando criança, nunca se viu na posição de se colocar em segundo plano, sempre foi sincera e fazia questão de dizer quando não queria algo. Na fase adulta, porém, se envolveu em um relacionamento e aos poucos se percebeu diferente.

Luziane conta que, no início, era tudo tranquilo, saudável e normal, mas que, com o passar do tempo, passou a ser coagida pelo homem com quem se relacionava e, a cada situação, sentia menos coragem de se impor. “Minha coragem para dizer ‘não’ diminuía cada vez mais, visto que eu seguia as regras impostas pela outra pessoa, por não reivindicar as minhas vontades”.

Emaranhada nas atitudes tóxicas que estava vivendo dentro do relacionamento, percebeu sozinha, depois de muito martírio, o peso positivo de entregar a resposta negativa quando a vontade é essa. Hoje, livre dessa relação, reconhece a importância da terapia para não se colocar em segundo plano. “Acredito que, à época, a terapia teria me ajudado muito, pois eu estava sozinha, longe dos meu familiares e sem amigos próximo a mim, então eu teria tido um apoio profissional para me auxiliar a enxergar a necessidade de reverter aquela situação e procurar algo melhor para mim”, recordou.

Juliana Gebrim ressalta que, para além de afastar os malefícios de um “sim” dito por obrigação, dizer “não” também traz benefícios. “O fortalecimento dos limites pessoais, promoção da autoestima e redução do estresse são alguns dos benefícios em saber dizer ‘não’. Além disso, estabelecer limites saudáveis fomenta relacionamentos mais autênticos, nos quais as necessidades individuais são respeitadas, promovendo um equilíbrio emocional e uma sensação de empoderamento”.

Luziane Aragão, 21, é um exemplo real dos aspectos citados pelas especialistas

Ana Paula de Sena, 33, empresária, conta que teve uma ótima criação, mas que infelizmente foi ensinada a dizer “sim” o tempo inteiro, inclusive a se calar nas situações em que discordava de algo. Na infância, sempre ouvia o bordão da mãe que era: “O calado é que vence!”. Por isso, sempre que queria dar sua opinião sobre algo, escutava da mãe, que o melhor era se silenciar e aceitar a situação.

Infelizmente, esse ensinamento trouxe problemas na vida adulta. Se casou aos 16 anos e passou a aceitar tudo que lhe era imposto, inclusive agressões físicas. “Eu tinha medo de contrariá-lo, então continuava a dizer ‘não’ para mim e ‘sim’ para as outras pessoas. Cheguei a pensar que eu não podia ‘me dar ao luxo’ de dizer não”, lamentou.

Após situações extremas de humilhação, a empresária conseguiu sair da casa do marido e passou a morar com o irmão. Imediatamente se sentiu livre, pronta para recomeçar a vida de forma diferente, mas sem o apoio de um profissional da saúde para tratar as raízes do problema, passou por outras situações decorrentes da dificuldade em dizer “não”. Trabalhava em uma empresa e, por temer o desemprego, dizia “sim” para todas as demandas, sendo sua obrigação ou não. “Tive estafa emocional e fiquei de cama por 20 dias, além de ter depressão, ansiedade e ser diagnosticada com síndrome de Burnout”.

Em busca de tratamento para os diagnósticos, Ana Paula disse “sim” para si pela primeira vez. Decidiu procurar ajuda profissional, iniciando a terapia e o acompanhamento psiquiátrico. A princípio, tinha medo do que os outros pensariam quando soubessem de seus diagnósticos e tratamentos, mas percebeu, depois de uma conversa franca com a psiquiatra, que precisava urgentemente cuidar de si, senão seria internada. Foi aí que compreendeu que a compulsão em dizer “sim” para os outros era uma busca por validação.

“Com a terapia, comecei a melhorar e notar mudanças na minha vida, passei a enxergar coisas que antes não via. Eu era tão adepta ao ‘sim’, que dizia ‘não’ para momentos prazerosos, como lazer e coisas que me faziam bem. Com os tratamentos, finalmente pude me enxergar como uma pessoa, um ser humano”. O processo foi uma verdadeira jornada de autoconhecimento, na qual Ana Paula confessa descobrir gostar de coisas antes ignoradas, uma vez que a sua personalidade era moldada pelo que as pessoas queriam.

Ana Paula participou do grupo Síndrome da Boazinha, da psicóloga Mari Avelar, e declara que o processo foi significativo e essencial para tornar-se a mulher que é hoje. “Esse trabalho da Mari me ensinou não só a dizer ‘não’, mas a ter autonomia para tomar essa atitude sem enfraquecer as amizades e sem arrumar conflitos, de forma que as pessoas entendam que ‘não’ é ‘não’ e respeitem a minha decisão”, concluiu.

Ana Paula de Sena, 33, empresária, conta que teve uma ótima criação, mas que infelizmente foi ensinada a dizer “sim” o tempo inteiro

*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira

Problemas em dizer “não”? Dificuldade pode causar danos a saúde mental

Quantas vezes você respondeu uma pergunta com “sim” quando, na verdade, sua vontade era de dizer “não”? Bom, ainda que você não se considere uma pessoa com dificuldade em dizer “não”, provavelmente é incapaz de contabilizar quantas vezes deixou de dar uma resposta negativa por receio do que o outro pensaria. Um estudo conduzido, em 2022, pelo Departamento de Psicologia Comportamental da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, concluiu que as pessoas têm mais facilidade para dizer “sim” do que dizer “não”.

O famoso “vou ver e te aviso!” após receber um convite de alguém denuncia o jeitinho brasileiro de temer desagradar ao outro. No entanto, essa atitude, aparentemente inocente, é nociva e pode desencadear grandes malefícios ao indivíduo que se anula na tentativa de satisfazer o outro.

Juliana Gebrim, psicóloga e neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (Ipaf), explica que aprender a dizer “não” de maneira assertiva é fundamental para preservar o equilíbrio emocional e estabelecer relacionamentos saudáveis. “Quando alguém tem dificuldade em dizer ‘não’, podem surgir diversos malefícios, tais como: sobrecarga de responsabilidades, levando ao esgotamento físico e mental; e sentimentos de ressentimento, prejudicando relacionamentos e ao bem-estar emocional”.

Os malefícios causados por esse conflito não decorrem apenas em situações extremas. Quando você se sente obrigado a fazer o cartão oferecido por uma loja ou quando você compra uma roupa, ainda que não tenha gostado, só porque provou e não tem coragem de dizer à vendedora que não vai levar, também está invalidando suas vontades para que o outro não se sinta desapontado — sendo que, em muitas situações, o outro nem se sentiria mal de fato.

“Essa dificuldade pode ser influenciada por fatores como experiências ambientais, crenças enraizadas, baixa autoestima, experiências traumáticas e características de personalidade”, destaca. A psicóloga aponta que ambientes que desencorajam a expressão de vontades próprias e enfatizam a necessidade de agradar aos outros podem contribuir para essa dificuldade. Além disso, uma baixa autoestima e experiências traumáticas relacionadas à rejeição ou à punição por expressar vontades pessoais podem dificultar a recusa de pedidos ou a imposição de limites.

Algumas características de personalidade, como ser excessivamente complacente ou temer conflitos, também podem desempenhar um papel significativo para que essa dificuldade surja. “Compreender esses fatores é o primeiro passo para desenvolver habilidades de assertividade e estabelecer limites saudáveis, e a psicoterapia e a autorreflexão podem ser ferramentas úteis nesse processo”, expõe a especialista.

A professora bilíngue Indyara Moreira, 29 anos, confessa que a dificuldade em dizer não é uma característica de sua personalidade percebida desde a infância. Quando criança, no período escolar, sofria quando a professora pedia para que fizessem trabalhos em grupo. Muitas vezes fazia o trabalho inteiramente sozinha, por não conseguir negar a participação de alguém que não colaborava e por não conseguir expor a indignação de estar fazendo, desacompanhada, algo que era obrigação de todos os participantes. “Eu perdia tempo, qualidade de sono e momentos de lazer com a família para assumir a responsabilidade do outro, por eu não conseguir dizer um não”.

E essa não foi uma questão resumida apenas à escola, pois Indyara experimentou os malefícios da dificuldade em dizer “não” até mesmo na faculdade. A professora conta que o receio vinha do medo de machucar o outro e também pelo excesso de empatia, que sempre teve para com o outro. “Eu olhava o lado das pessoas e prejudicava o meu, isso foi enraizando e eu passei a ter uma dificuldade extrema. Desenvolvi uma ansiedade ainda maior sobre as decisões da minha vida por temer prejudicar o outro e esquecer que, na verdade, isso estava me prejudicando também”.

Em meio a tanto “sim” forçado, se viu imersa em cenários angustiantes diversas vezes. O auge foi quando aceitou ser madrinha de casamento, quando, na realidade, estava totalmente desconfortável com a situação e, depois de tudo encaminhado, teve de falar a verdade à noiva. “Eu fui tentando levar a situação, só que aquilo foi me consumindo intensamente e chegou num estágio em que eu falei ‘não, eu não quero ser madrinha de casamento’, e aí ficou uma situação muito desconfortável.”

Indyara conta que já manteve amizade por longos períodos com pessoas que a incomodavam, justamente por não querer colocar o outro num lugar de desconforto, mas hoje em dia reconhece que foi injusta consigo. Ela relata que há um tempo mantinha amizade com uma mulher bastante inconveniente que a deixava desconfortável, então evitava responder às mensagens e atender as ligações vindas dessa pessoa, mas que um dia, ao chegar em casa, se deparou com a moça sozinha com o seu esposo em sua casa e, em meio ao constrangimento da cena, Indyara teve de escutar que não foi comunicada da visita por ser mais fácil falar com seu esposo do que com ela.

“Ela jantava com a gente e queria passar tempos e tempos na minha casa, nos deixando desconfortáveis. Ficou cada vez mais constrangedor, pois ela ficava ligando para o meu marido e ele também começou a passar por situações chatas, mas por ter mais facilidade em dizer ‘não’, ele conseguiu cortá-la”.

Por meio da terapia comportamental, a professora conseguiu entender o quão nociva era a dificuldade e por qual razão se sentia assim. “Foi o momento em que eu senti que tinha alguma coisa errada, então nós começamos a tratar sobre questões da minha infância. Eu sempre acreditei que eu não poderia dar trabalho aos meus pais e que tinha que ser a filha perfeita que estudava, que tirava boas notas, que ia à igreja, que nunca dizia ‘não'”.

Todas as cobranças influenciaram a percepção de Indyara sobre os outros. A necessidade de ser uma filha perfeita desencadeou a autoimposição de ser a amiga perfeita, a esposa perfeita, a pessoa perfeita. “Para ser assim eu não poderia magoar o outro, então eu não poderia dizer ‘não’, estava sempre aberta e disponível para o outro”, contou.

“Depois de muita terapia intensiva, eu melhorei bastante e hoje eu consigo dizer ‘não’, falar que eu não quero sair, que eu não estou me sentindo bem, que eu não quero receber alguém na minha casa ou ir para certos lugares. É um alívio. É libertador! Quando você diz não para o outro você diz sim para você, e isso é incrível, é a melhor sensação que tem. Tem momentos que você não precisa ser empático, se a situação do outro prejudicará você”, complementa.

Indyara Moreira, 29 anos, confessa que a dificuldade em dizer não é uma característica de sua personalidade percebida desde a infância

Mari Avelar, psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental e parentalidade, trabalha com mulheres e sempre percebeu, em suas consultas individuais, a presença de questões relacionadas à dificuldade de imposição e de dizer “não”. Em 2021, descobriu o livro A Síndrome da Boazinha, de Harriet B. Braiker e, baseando-se na metodologia do documento, que fala justamente sobre a compulsão por agradar o outro, decidiu abrir um grupo para pacientes que sofrem da condição.

Em 2023, a psicóloga treinou estratégias com base no material e montou um grupo com duração de 21 dias, sendo que no quinto já recebeu feedbacks extremamente positivos. O direcionamento era trabalhar uma habilidade a cada dia, para que as pacientes conseguissem um posicionamento assertivo, estabelecessem os próprios limites e aprendessem a voltar o próprio olhar a si mesmas. A especialista conta que, para ela, é muito enriquecedor atuar na questão, pois é um trabalho que enxerga a pessoa como um todo, sem colocá-la na condição de “boazinha” simplesmente pelo querer, mas pela razão que exige a necessidade de agradar.

“Eu percebo que essa dificuldade tem a ver, de fato, com as relações que são estabelecidas na infância. Claro que há casos em que as pessoas desenvolvem mais tarde essa dependência do olhar do outro, da validação do outro e por isso se tornam agradadoras de uma forma realmente compulsiva, mas existem diversos aspectos, são múltiplos motivos”, explicou.

A autônoma Luziane Aragão, 21 anos, é um exemplo real dos aspectos citados pelas especialistas, para além da infância. Quando criança, nunca se viu na posição de se colocar em segundo plano, sempre foi sincera e fazia questão de dizer quando não queria algo. Na fase adulta, porém, se envolveu em um relacionamento e aos poucos se percebeu diferente.

Luziane conta que, no início, era tudo tranquilo, saudável e normal, mas que, com o passar do tempo, passou a ser coagida pelo homem com quem se relacionava e, a cada situação, sentia menos coragem de se impor. “Minha coragem para dizer ‘não’ diminuía cada vez mais, visto que eu seguia as regras impostas pela outra pessoa, por não reivindicar as minhas vontades”.

Emaranhada nas atitudes tóxicas que estava vivendo dentro do relacionamento, percebeu sozinha, depois de muito martírio, o peso positivo de entregar a resposta negativa quando a vontade é essa. Hoje, livre dessa relação, reconhece a importância da terapia para não se colocar em segundo plano. “Acredito que, à época, a terapia teria me ajudado muito, pois eu estava sozinha, longe dos meu familiares e sem amigos próximo a mim, então eu teria tido um apoio profissional para me auxiliar a enxergar a necessidade de reverter aquela situação e procurar algo melhor para mim”, recordou.

Juliana Gebrim ressalta que, para além de afastar os malefícios de um “sim” dito por obrigação, dizer “não” também traz benefícios. “O fortalecimento dos limites pessoais, promoção da autoestima e redução do estresse são alguns dos benefícios em saber dizer ‘não’. Além disso, estabelecer limites saudáveis fomenta relacionamentos mais autênticos, nos quais as necessidades individuais são respeitadas, promovendo um equilíbrio emocional e uma sensação de empoderamento”.

Luziane Aragão, 21, é um exemplo real dos aspectos citados pelas especialistas

Ana Paula de Sena, 33, empresária, conta que teve uma ótima criação, mas que infelizmente foi ensinada a dizer “sim” o tempo inteiro, inclusive a se calar nas situações em que discordava de algo. Na infância, sempre ouvia o bordão da mãe que era: “O calado é que vence!”. Por isso, sempre que queria dar sua opinião sobre algo, escutava da mãe, que o melhor era se silenciar e aceitar a situação.

Infelizmente, esse ensinamento trouxe problemas na vida adulta. Se casou aos 16 anos e passou a aceitar tudo que lhe era imposto, inclusive agressões físicas. “Eu tinha medo de contrariá-lo, então continuava a dizer ‘não’ para mim e ‘sim’ para as outras pessoas. Cheguei a pensar que eu não podia ‘me dar ao luxo’ de dizer não”, lamentou.

Após situações extremas de humilhação, a empresária conseguiu sair da casa do marido e passou a morar com o irmão. Imediatamente se sentiu livre, pronta para recomeçar a vida de forma diferente, mas sem o apoio de um profissional da saúde para tratar as raízes do problema, passou por outras situações decorrentes da dificuldade em dizer “não”. Trabalhava em uma empresa e, por temer o desemprego, dizia “sim” para todas as demandas, sendo sua obrigação ou não. “Tive estafa emocional e fiquei de cama por 20 dias, além de ter depressão, ansiedade e ser diagnosticada com síndrome de Burnout”.

Em busca de tratamento para os diagnósticos, Ana Paula disse “sim” para si pela primeira vez. Decidiu procurar ajuda profissional, iniciando a terapia e o acompanhamento psiquiátrico. A princípio, tinha medo do que os outros pensariam quando soubessem de seus diagnósticos e tratamentos, mas percebeu, depois de uma conversa franca com a psiquiatra, que precisava urgentemente cuidar de si, senão seria internada. Foi aí que compreendeu que a compulsão em dizer “sim” para os outros era uma busca por validação.

“Com a terapia, comecei a melhorar e notar mudanças na minha vida, passei a enxergar coisas que antes não via. Eu era tão adepta ao ‘sim’, que dizia ‘não’ para momentos prazerosos, como lazer e coisas que me faziam bem. Com os tratamentos, finalmente pude me enxergar como uma pessoa, um ser humano”. O processo foi uma verdadeira jornada de autoconhecimento, na qual Ana Paula confessa descobrir gostar de coisas antes ignoradas, uma vez que a sua personalidade era moldada pelo que as pessoas queriam.

Ana Paula participou do grupo Síndrome da Boazinha, da psicóloga Mari Avelar, e declara que o processo foi significativo e essencial para tornar-se a mulher que é hoje. “Esse trabalho da Mari me ensinou não só a dizer ‘não’, mas a ter autonomia para tomar essa atitude sem enfraquecer as amizades e sem arrumar conflitos, de forma que as pessoas entendam que ‘não’ é ‘não’ e respeitem a minha decisão”, concluiu.

Ana Paula de Sena, 33, empresária, conta que teve uma ótima criação, mas que infelizmente foi ensinada a dizer “sim” o tempo inteiro

*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira

O morro de Potosí, lendária montanha de onde veio a prata que impulsionou globalização há 500 anos

Existem moedas que fazem história, mas poucas se comparam com uma das mais famosas de todos os tempos: o “real de a ocho”.

E com toda razão: ela foi a primeira moeda verdadeiramente global.

Produzida em enormes quantidades, seu uso já se espalhava pela Ásia, Europa, África e América, 25 anos após ter sido cunhada pela primeira vez, na década de 1570 – estabelecendo completo domínio global.

Também conhecido como “dólar espanhol”, “peso de oito reais” ou simplesmente “peso”, o “real de a ocho” foi a moeda de reserva monetária de muitos países por três séculos. Estima-se que, no século 18, ele representasse 50% de todo o dinheiro em circulação no mundo.

A moeda só seria substituída em importância global no século 19, pela libra esterlina britânica, e pelo dólar americano em meados do século 20.

Cunhado pelo Império Espanhol após a reforma monetária adotada pelos reis católicos em 1497, o “real de a ocho” tinha cerca de 40 milímetros de diâmetro e pesava cerca de 27 gramas.

Deste peso, 25 gramas eram de prata – a mesma prata que enriqueceu o império e o mundo, mas não os habitantes originários do lugar de onde provinha o metal: o continente americano.

Grande parte da prata vinha de uma montanha nos Andes que recebeu os nomes Sumaq Urqu – “morro bonito” – e Urqu P’utuqsi ou Qullqi Urqu – “morro de onde brota a prata”, em idioma quéchua.

O colonizador espanhol deu ao local os nomes de Cerro Rico e morro de Potosí.

Mas ele também é conhecido por um apelido trágico: “montanha comedora de gente”.

O Eldorado de prata

Quando os espanhóis encontraram – literalmente sem querer – o “Novo Mundo”, eles ficaram fascinados pelo ouro – às vezes, chegando às raias da loucura.

Mas o que realmente enriqueceu a Espanha não foi o Eldorado que nunca foi visto, mas a prata.

Os espanhóis rapidamente encontraram a prata no México dos astecas e exploraram suas minas. Mas foi no extremo sul do Império Inca que eles encontraram grandes jazidas, na década de 1540.

Nas montanhas andinas, havia um morro de prata tão grande que faria com que uma isolada aldeia inca nas proximidades passasse a ser a quarta maior cidade do mundo cristão em apenas 70 anos.

Trata-se de Potosí, que, hoje, ocupa o território da Bolívia.

A extração da prata financiou a criação do complexo industrial mais avançado da época e definiria fortunas econômicas da China até a Europa ocidental.

No seu apogeu, no início do século 17, 160 mil pessoas moravam em Potosí, entre nativos americanos, escravos africanos e colonos espanhóis.

Era uma população maior do que cidades como Londres, Milão (Itália) e Sevilha (Espanha), na época.

A prata americana começou a cruzar o Atlântico poucos anos depois da “descoberta” das minas pelos espanhóis. O volume passou de modestos 148 kg por ano na década de 1520, para quase 3 mil toneladas anuais, 70 anos depois.

Foi o primeiro acontecimento nesta escala na história econômica da humanidade.

Não foi por acaso que o primeiro escudo de armas da então chamada Vila Imperial de Potosí, concedido pelo imperador Carlos 5° (1500-1558), do Sacro Império Romano-Germânico, dizia: “Sou o rico Potosí, do mundo sou o tesouro, sou o rei dos montes, inveja sou dos reis.”

Consciente do seu grande valor, o rei Filipe 2° da Espanha (1527-1598), filho de Carlos 5°, presenteou a cidade com um segundo escudo em 1561.

Seu novo lema, muito apropriado, era: “Para o sábio rei, esta alta montanha de prata poderia conquistar o mundo inteiro.”

Nas encostas do morro

O local alto, árido e muito frio dos Andes se tornou um lugar incrivelmente rico.

Na pressa de explorar a prata, Potosí cresceu de forma caótica. Tornou-se uma cidade de ruas extravagantes e cabanas modestas, salpicada de casas de jogos, teatros e igrejas.

O vício, a compaixão, o crime e as festas assumiam imensas proporções, segundo o historiador da América hispânica Lewis Hanke.

“Em um evento eclesiástico, um dos governadores organizou uma festa grandiosa, exibindo um jardim preparado para a ocasião, que encerrava em suas grades tantos animais ferozes quantos teve a arca de Noé”, contou ele.

“Havia torneiras de onde brotavam vinho, chicha [bebida fermentada preparada pelos incas] e água ao mesmo tempo.”

“Em 1577, foram investidos três milhões de pesos em obras hidráulicas formidáveis, um progresso que anunciou uma era de prosperidade ainda maior”, acrescentou o historiador.

Essas obras deixaram a cidade rodeada por 22 represas que alimentavam 140 moinhos para processar o metal antes de moldá-lo em barras.

Mas, enquanto as minas de Cerro Rico produziam a matéria-prima que enriqueceu a Espanha, a Casa da Moeda de Potosí ficou responsável pela produção do dólar espanhol que definiu as bases da moeda global.

Em Potosí, as moedas eram carregadas em lhamas. Elas viajavam por dois meses através dos Andes, até chegar a Lima e ao litoral do Oceano Pacífico.

Ali, as frotas espanholas levavam a prata do Peru até o Panamá, onde as moedas eram transportadas por terra através do istmo centro-americano para cruzar o Atlântico escoltadas.

Este comércio de prata não se restringia apenas à Europa. Na verdade, as moedas espanholas chegavam a praticamente todas as partes do mundo.

A Espanha também tinha um império na Ásia, sediado em Manila, nas Filipinas. Por isso, os dólares espanhóis passaram rapidamente a cruzar o Pacífico em grandes quantidades.

Em Manila, as moedas eram usadas para pagar os comerciantes chineses, em troca de seda, especiarias, marfim, laca e, principalmente, porcelana.

Com isso, o dólar espanhol trouxe mudanças fundamentais para o comércio mundial.

“Foram cunhadas, muito rapidamente, centenas de milhões, talvez bilhões dessas moedas, que se tornaram o sistema monetário global”, afirma à BBC o historiador financeiro William Bernstein.

Ele explica que essas moedas eram o equivalente aos cartões de crédito dos séculos 16 a 19.

“Quando você lê, por exemplo, sobre o comércio do chá na China, que era um comércio vasto, você observa os preços e contas contabilizados em dólares, com sinais de dólar, mas é claro que eles falavam dos dólares espanhóis, dos ‘reais de a ocho'”, ensina o historiador.

Em toda a Europa, o tesouro hispano-americano inaugurou uma “idade da prata”. Mas esta mesma abundância trouxe consigo uma nova série de problemas.

Falta de reais na Espanha

A prata hispano-americana aumentou a oferta monetária, mais ou menos como ocorre quando os governos “imprimem” dinheiro hoje em dia.

E a consequência do aumento da moeda disponível, tanto antes quanto agora, é a inflação, que levou o caos para a China da dinastia Ming e desestabilizou a economia dos países do leste asiático.

Na Espanha, reinava a confusão. A riqueza do império, em termos políticos e econômicos, muitas vezes parecia mais aparente do que real.

O rei espanhol Filipe 4° (1605-1665) havia afirmado que “na prata, estavam a segurança e a fortaleza da minha monarquia”.

Mas, ironicamente, as moedas de prata passaram a ser raras no império. Elas eram usadas para pagar produtos estrangeiros, enquanto a atividade econômica local diminuía.

Quando o ouro e a prata desapareceram da Espanha, ficou difícil assimilar o abismo entre a ilusão e a realidade da riqueza, sem falar nas consequências morais dos inesperados problemas econômicos do país.

Em 1600, o arbitrista (pessoa que sugeria soluções para os problemas do império) Martín González de Cellorigo afirmou que “a abundância de dinheiro não sustenta os Estados, nem reside nela a sua riqueza”.

Ele interpretou os fatos concluindo que a causa da ruína espanhola era que “a riqueza andou e anda no ar, em papéis, contratos, tributos e letras de câmbio, na moeda, na prata e no ouro, não em bens que frutificam e atraem de forma mais digna as riquezas do exterior, sustentando as internas”.

“Por isso, o fato de não haver dinheiro, ouro nem prata na Espanha decorre da sua própria existência e o de [a Espanha] não ser rica, porque há riqueza”, escreveu o arbitrista castelão.

Mas, independentemente dos altos e baixos da fortuna do país, o dólar espanhol foi uma das pedras fundamentais do mundo moderno, que antecipou e possibilitou a economia global.

Sem Cerro Rico, a história teria sido muito diferente, não só para o resto do mundo, mas também para aqueles que extraíram o metal de suas entranhas.

Alto custo

Toda essa riqueza teve um custo enorme em vidas humanas.

No início da década de 1570, foi descoberto um processo de amalgamento para separar o mercúrio do mineral extraído. Com isso, a produção de prata disparou e surgiu o sistema de trabalho forçado conhecido como mita.

Eram condições brutais, que chegavam a causar a morte dos trabalhadores.

Nativos que moravam a centenas de quilômetros de distância eram obrigados a viajar para Potosí. Lá, eles recebiam a extenuante tarefa de levar à superfície uma quota diária de 25 sacos de minério de prata, pesando cerca de 45 kg cada.

Na sua crônica Relação Geral do Assentamento e Vila Imperial de Potosí e das Coisas Mais Importantes do seu Governo (1595), o minerador espanhol Luis Capoche conta que, como único prêmio pelo seu trabalho, eles costumavam ser chamados de “cachorros” ou apanhar por trazer pouco metal, por demorar demais na extração ou, supostamente, por roubar o minério.

Ele relata o caso de um indígena que, temendo o castigo que receberia do seu amo, refugiou-se na mina, caiu “e se desfez em cem mil pedaços”.

E os maus tratos não eram a única condenação.

Na gelada altitude das montanhas, a pneumonia era um perigo constante. Já o envenenamento por mercúrio frequentemente matava aqueles que participavam do processo de refino.

Aproximadamente desde 1600, quando a mortalidade disparou entre as comunidades indígenas locais, dezenas de milhares de africanos escravizados foram levados a Potosí para substituir os indígenas mortos.

Os africanos eram mais resistentes que a população local, mas também vieram a morrer em grandes quantidades.

Não se sabe ao certo quantas foram as vítimas fatais da extração de prata em Potosí. Mas, na memória cultural, ficou registrado o número mencionado por Eduardo Galeano no livro As Veias Abertas da América Latina (Ed. L&PM, 2010).

No seu furioso relato sobre o passado de Potosí, o escritor uruguaio fala em 8 milhões de nativos americanos mortos.

Especialistas afirmam que a quantidade de vítimas fatais foi muito menor. Mas o número exato é o que menos importa. O trabalho forçado nas minas bolivianas continua sendo o símbolo histórico da opressão colonial espanhola.

Parafraseando Galeano, costuma-se dizer que, considerando a exploração, seria possível construir uma ponte de prata do pico de Cerro Rico até a porta do palácio real em Madri, na Espanha.

E poderia haver outra ponte, feita apenas com os ossos daqueles que morreram extraindo o precioso metal.

*Este texto foi baseado em partes do episódio “Pieces of Eight”, da série radiofônica da BBC e do Museu Britânico “Uma história do mundo em 100 objetos”. Se quiser ouvir o episódio em inglês, clique aqui.

A corrida contra o tempo de Milei para avançar sua ‘revolução liberal’ na Argentina

O presidente da Argentina, Javier Milei, tem buscado cumprir o que prometeu na campanha: implementar uma “terapia de choque” liberal para a crise econômica do país.

Emitiu um “decretaço” com mais de 300 medidas de desregulamentação econômica que ele disse serem de urgência e que seguirão em vigor ao menos que o Congresso o vete.

Ele também enviou ao Parlamento um megapacote com mais de 600 projetos de leis, intitulado “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, que ainda precisa ser chancelado pelo Legislativo, onde ele não tem maioria.

Apesar de mexer com uma ampla gama de forças sociais e econômicas, a avaliação de especialistas ouvidos pela BBC News Brasil é que o fator mais importante para que Milei consiga levar adiante seu projeto de “revolução liberal” — ou libertária, como ele define — não é conseguir o beneplácito dos parlamentares.

Não é nem mesmo resistir aos embates com os poderosos movimentos sindicais, que já marcaram para 24 de janeiro a primeira greve geral no país, com previsão de 12 horas de duração.

O fator crucial para Milei é o tempo.

Para os especialistas, o presidente terá de entregar resultados econômicos positivos enquanto vive certa lua de mel com seus seguidores — um período estimado entre três ou quatro meses —, ou as reações contrárias aos seus objetivos libertários podem ser crescentes e inevitáveis.

“O comportamento da inflação será decisivo para a avaliação e destino do governo de Milei dentro de dois ou três meses. Os preços são fundamentais”, diz o professor de ciências políticas da Universidade de Buenos Aires (UBA) Marcos Novaro à BBC News Brasil.

“Eu diria que seriam quatro meses. Mas, na minha opinião, está claro que Milei não tinha outra alternativa. A economia argentina necessita das desregulamentações e reformas que ele propõe e busca implementar”, avalia o analista econômico e ex-secretário de Energia do país Daniel Gustavo Montamat.

Montamat avalia que, se “o plano de estabilização de Milei” começar a reduzir a “febre inflacionária”, ele terá apoio da sociedade para muitas das reformas estruturais que está propondo.

“O sucesso ou fracasso desta revolução libertária dependerá dos resultados na economia”, diz o analista, crítico das políticas econômicas do kirchnerismo, derrotadas por Milei nas urnas.

A inflação na Argentina chegou a 211,4% ao ano, de acordo com dados oficiais divulgados na quinta-feira (11/01), superando até o índice da Venezuela em 2023.

A escalada inflacionária argentina ganhou ainda mais fôlego em dezembro, a partir da chegada de Milei à Casa Rosada, com a liberação do aumento de preços antes controlados, como de combustíveis e serviços públicos, além do impacto da forte desvalorização do peso.

Somente em dezembro, a inflação foi de 25,5% — o maior dos últimos 33 anos, porém, abaixo dos 30% esperados por consultorias econômicas de Buenos Aires.

Nesta semana, quando Milei completou um mês na presidência, o peso voltou a se enfraquecer.

Até no mercado de ações, em princípio animado com a vitória dele, os investidores começam a se mostrar mais cautelosos com os novos leilões de dívida do governo, segundo reportou a agência Reuters, que chamou o momento de “choque de realidade” para a Casa Rosada.

Após o anúncio, também na quinta-feira, de que o governo havia retomado o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o mercado voltou a comemorar, mas a cautela persiste.

A expectativa no governo Milei, de acordo com analistas, é atravessar esse deserto até abril.

Outra expectativa é que neste mês, com a maior entrada de dólares gerados pelas exportações do agronegócio — a principal fonte de divisas —, haverá “um alívio” para a economia argentina. Isso reforçaria as reservas no Banco Central e reduziria a pressão inflacionária.

A questão é quanto o colchão de popularidade e o voto de confiança dado a Milei resistirão.

O presidente foi eleito com 56% dos votos válidos, a maior votação para um chefe do Executivo nos 40 anos da democracia argentina. Entretanto, as primeiras pesquisas de opinião apontam desgaste e queda na avaliação positiva nas primeiras semanas do governo.

A empresa Opinaia indicou que Milei teve uma queda na avaliação maior do que a registrada pelo seu antecessor, Alberto Fernández, no mesmo período, segundo publicou o jornal La Nación na quarta-feira (10/1).

Do ‘agro’ aos bancários, múltiplas resistências

A “revolução liberal” ou libertária de Milei é um projeto ambicioso, já que ele propõe alterar desde o sistema de contribuição sindical a aposentadorias e regras relativas aos aluguéis, planos de saúde, medicamentos e clubes de futebol.

As mudanças propostas incluem ainda uma redução drástica do Estado, a alteração de regras trabalhistas e a privatização de dezenas de empresas públicas.

Seu governo propõe também o fim das eleições primárias, que antecedem a eleição presidencial, e o retorno do uso da toga e do martelo pelos juízes.

Nas ruas, aparecem os primeiros sinais de desconforto. Ao fazer compras nos supermercados argentinos ou nos chamados chinos (mercadinhos de bairro), se ouve as constantes reclamações dos consumidores.

Tanto entre os que votaram em Milei quanto entre os que não votaram, é possível observar um clima que vai da preocupação — forte entre aposentados e servidores públicos — à cautela, como entre empresários.

“Para mim, é difícil dizer ‘feliz ano novo’ porque estou preocupadíssima com o que ocorrerá com minha aposentadoria. É dela que vivo”, desabafa Rosa, de 84 anos, no bairro abastado de Palermo.

No setor turístico, apesar das reclamações com a inflação, em geral comemora-se.

“Há muito tempo não víamos tantos turistas”, diz o gerente de um restaurante no bairro turístico de Puerto Madero, lotado de brasileiros no fim de semana.

Há também resistências setoriais às amplas mudanças propostas.

Na próxima segunda-feira (15/01), os funcionários públicos realizarão manifestações contra medidas de Milei que os afetam. Por conta do remanejamento previsto com a redução dos ministérios, o governo prevê a possibilidade de demissão daqueles que “não se adaptarem” ou “não aceitarem” os novos postos após a reestruturação.

Eram 18 pastas no governo do ex-presidente peronista Alberto Fernández e, na gestão atual, passaram a ser nove.

As manifestações contam com o apoio dos bancários, em repúdio à intenção do governo de privatizar bancos públicos, incluindo o Banco de la Nación (equivalente ao Banco do Brasil), segundo afirmou o presidente do sindicato dos bancários, Sergio Palazzo.

Palazzo afirma que as amplas reformas de Milei “não são um plano de governo, mas de negócios”, diz o presidente do sindicato, criticando os projetos de privatização e as mudanças trabalhistas.

Neste último ponto, aliás, aconteceu o maior revés para Milei até agora. No começo do mês, a Justiça do Trabalho suspendeu medidas que faziam parte do “decretaço” — atendendo a pedidos das duas principais centrais sindicais do país, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) e a Central de Trabalhadores da Argentina (CTA).

De acordo com o procurador-geral do Tesouro, Rodolfo Barra (com funções semelhantes às da Advocacia Geral da União no Brasil), já são mais de cinquenta recursos na Justiça contra as medidas.

A reforma trabalhista, agora suspensa pela Justiça, prevê modificações nos pagamentos das indenizações por demissão; amplia de três para oito meses o prazo de experiência; e estabelece que trabalhadores de hospitais e de escolas são essenciais e, portanto, com direitos restritos para a realização de greve.

As mudanças tocam ainda no caixa dos sindicatos ao rever o sistema de contribuição sindical dos trabalhadores.

Os protestos do funcionalismo não serão os primeiros contra o governo Milei. Desde a posse, em 10 de dezembro, foram registrados pelo menos dois panelaços em várias cidades do país.

De todo modo, as manifestações servirão de prévia para a greve geral de 12 horas programada para o fim do mês.

Enquanto isso, no setor empresarial, há a dúvida se Milei conseguirá implementar suas medidas econômicas ou se o amplo leque de artigos que enviou ao Congresso tirará o foco dos dois principais objetivos da sua plataforma de governo: combater a espiral inflacionária e reduzir o déficit fiscal.

Já o poderoso agronegócio recebeu como um balde de água fria a decisão do governo de manter e, em alguns casos, até de ampliar os impostos sobre as exportações.

A expectativa neste setor era que Milei faria o contrário — reduzir estas tarifas estabelecidas nos governos peronistas anteriores e que provocaram na época ampla reação.

Relação com o Congresso e Forças Armadas

As movimentações sociais e setoriais acontecem enquanto a Argentina ainda digere o estilo considerado controverso do governo e de seu novo presidente — que repete todos os dias que o país está numa emergência e precisa ser refundado, razão pela qual ele precisaria de instrumentos especiais para governar.

A postura do governo inclui declarações como as de seu porta-voz, o economista Manuel Ardoni, que atribuiu a nova alta do dólar e a brecha entre a cotação do oficial e do paralelo à oposição daqueles que se colocam contrários aos projetos do governo.

A ideia de urgência está na base do discurso do governo Milei. Primeiro, ele anunciou “dez medidas emergenciais” para lidar com a crise econômica. Depois, foi a vez do “decretaço”, por meio de um Decreto de Necessidade e Urgência (DNU).

Com 366 pontos, o DNU prevê, entre outros itens, uma “emergência pública” em temas econômicos, fiscais, sociais, entre outros, até 2025. Trata-se de um instrumento até mais poderoso do que a medida provisória (MP) brasileira, já que seguirá em vigor a menos que o Congresso a derrube por ampla maioria — ou o que a Justiça o faça.

O presidente também enviou o megapacote de projetos de leis apelidada de “Lei Ómnibus” e tem repetido que negociar quaisquer dessas medidas no Congresso dificultaria sua pretensão de transformar a Argentina “após cem anos de decadência”.

O problema é sua frágil situação no Parlamento. À exceção de seu partido A Liberdade Avança, todos as outras siglas rejeitam um estado de emergência econômica tão amplo até 2025, por exemplo.

Na terça-feira (9/1), foram iniciados nas comissões da Câmara dos Deputados os debates acerca da “Lei Ómnibus” — e autoridades do governo Milei sinalizaram pela primeira vez com a possibilidade de negociação de prazos.

O governo quer aprovar um projeto para que o Executivo possa, por um período determinado e excepcional, tomar medidas sem que seja necessário que elas passem pelo Congresso.

Inicialmente, a Casa Rosada tinha previsto um período de dois anos, renováveis por mais dois — o que, no total, seria o equivalente a um mandato inteiro —, mas está sendo negociada a possibilidade de que se reduza para um ano, renovável por mais um ano.

“Quando falamos sobre atribuições especiais [para que se apliquem medidas sem o Parlamento], não queremos fechar o Congresso, não queremos um cheque em branco, mas atingir os objetivos dos projetos do governo”, disse o secretário de Energia, Eduardo Chirillo, diante dos questionamentos dos parlamentares nas comissões.

A cientista política Ximena Simpson, professora da Escola de Política e de Governo da Universidade Nacional San Martin (Unsam), da Argentina, afirma que Milei está “se dando conta que dependerá da casta para governar”.

Na campanha, a “casta” foi definida por Milei como a “velha” elite política e econômica, e era um dos alvos das críticas do então candidato.

“Ele precisará fazer coalizões partidárias para implementar, mesmo que parcialmente, sua agenda ambiciosa”, avalia Simpson.

Na visão dela, o debate sobre a Lei Ómnibus será “crucial” para se saber qual Argentina “surgirá destas propostas”, já que Milei “está buscando mudar uma era” da Argentina.

Como se trata de um pacote de leis regulares, não há prazo limite para o debate. Seja como for, o papel da oposição será decisivo, diz Simpson, para se saber se Milei conseguirá ser “tão disruptivo” como tem planejado.

O analista chileno-americano Ricardo Israel, do Instituto Interamericano para a Democracia, com sede nos Estados Unidos, entende que a democracia não pode se limitar à voz e à caneta presidencial.

“Até o momento, Milei não está compartilhando este poder, mas compartilhar e negociar serão inevitáveis. Ou será inevitável que a insatisfação chegue às ruas”, diz Israel, que foi candidato à presidência do Chile em 2013.

Segundo ele, o governo espera “que não surja alguma forma de violência” se os resultados (como a queda da inflação) demorarem.

“Lembremos como foram os governos de Alfonsín e De la Rúa, que tiveram o problema da violência nas ruas”, aponta.

“[Nos últimos tempos] A Argentina, no geral, resistiu melhor do que Chile, Equador e Colômbia. Mas ninguém pode garantir que isso continuará como está hoje à medida que os meses passem e a situação econômica não melhore”, seguiu Israel.

Os ex-presidentes Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa, que como Milei não eram peronistas, não conseguiram concluir seus mandatos diante da insatisfação popular e dos protestos em meio a crises políticas e econômicas.

Alfonsín governou o país de 1983 a 1989, tendo renunciado cinco meses antes do término do seu mandato. Já De La Rúa assumiu o poder em 1999 e governou até 2001, quando também renunciou.

O analista Marcos Novaro ressalta, porém, que, ao contrário do esperado, neste primeiro mês Milei não mostrou problemas de governabilidade, mas sim de definições de rumo dentro do seu próprio governo.

“É preciso definir o rumo e colocar o foco nas prioridades, como o combate à inflação e ao déficit, mas estamos diante de uma série de medidas que pretendem implementar tudo ao mesmo tempo”, disse.

Nesta semana, Milei se confrontou com um limite importante: teve que fazer um recuo após ter provocado a aposentadoria automática de 22 generais do Exército.

Essa aposentadoria ocorreu porque o novo chefe da força escolhido por Milei tem menor tempo de carreira do que aqueles que foram aposentados compulsoriamente.

Depois de reconhecer o problema, o governo anunciou que a maioria desses generais seguirá nas Forças Armadas ou no Ministério da Defesa, segundo reportagem do jornal Clarín.

Os riscos militares e geopolíticos dos ataques de EUA e Reino Unido aos houthis no Mar Vermelho

O Oriente Médio está em alerta depois de os Estados Unidos e o Reino Unido terem lançado uma série de ataques aéreos e navais contra alvos houthis no Iêmen, na sexta-feira (12/1).

Os ataques dos dois aliados ocidentais são uma resposta à campanha dos houthis, que têm usado mísseis e drones contra navios mercantes no Mar Vermelho.

Os houthis condenaram os ataques dos EUA e do Reino Unido e prometeram responder, aumentando o receio de um conflito mais amplo na região.

“É um ato óbvio de agressão”, disse o porta-voz militar Houthi, Yahya Saree, em uma transmissão de televisão. E acrescentou que a ação “não ficará sem resposta e impune”.

O Irã também condenou os ataques ao Iêmen, chamando-os de “uma clara violação da soberania e integridade territorial do Iêmen” e uma violação do direito internacional.

Por sua vez, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, acusou EUA e Reino Unido de tentarem transformar o Mar Vermelho em um “mar de sangue”.

Em novembro, os houthis, que controlam o norte do Iêmen e são apoiados pelo Irã, iniciaram uma campanha de ataques contra Israel e rotas comerciais cruciais no Mar Vermelho, que afetaram gravemente o comércio internacional.

Eles disseram que estavam fazendo as ações como uma demonstração de apoio ao grupo palestino Hamas, que está em guerra contra o exército israelense em Gaza.

Os países do Oriente Médio, vários deles aliados do Ocidente, observam com preocupação o que acontece na região.

Muitos se questionam se a ação militar dos EUA e do Reino Unido contra o Iêmen será realmente capaz de dissuadir os houthis de continuarem a campanha no Mar Vermelho.

E, se o movimento decidir responder, quais são os riscos que os aliados ocidentais enfrentam com esse grupo que tem conseguido sobreviver a um conflito armado de vários anos contra a poderosa força aérea da Arábia Saudita?

Poder de fogo

Quando os houthis começaram os seus ataques em novembro, os Estados Unidos e os seus aliados emitiram vários ultimatos ao grupo alertando sobre as graves consequências se não parassem de alvejar os navios no Mar Vermelho e no Canal de Suez.

Os ataques, no entanto, continuaram, e as companhias de todo o mundo que utilizam essa rota marítima tiveram de desviar centenas de navios em torno da África, aumentando drasticamente os custos e o tempo de navegação.

Como explica o correspondente de segurança da BBC, Frank Gardner, a campanha contínua dos houthis revelou duas coisas.

“Em primeiro lugar, os houthis, que controlam a costa do Mar Vermelho do seu país, não recuam face à pressão internacional.”

“Em segundo lugar, eles claramente possuem um poderoso arsenal de mísseis e drones e não têm medo de lançá-los contra navios de guerra ocidentais”, diz Gardner.

Um relatório publicado em 10 de Janeiro pelo Royal United Services Institute (Rusi), um centro de pesquisas com sede em Londres, detalha algumas das armas mais sofisticadas que os houthis possuem.

O relatório indica que o seu arsenal inclui mísseis balísticos anti-navio (ASBM) com alcance de 400 km, que transportam uma ogiva de 500 kg e utilizam um buscador eletro-óptico para localizar seus alvos.

Eles também têm o Al-Mandeb 2, um míssil de cruzeiro antinavio semelhante ao que o Hezbollah disparou em 2006 contra o navio israelense Hanit.

O relatório do Rusi afirma que os houthis recebem informações sobre movimentos marítimos de um navio de vigilância iraniano, o MV Behshad, que opera no baixo Mar Vermelho, perto do Estreito de Bab al-Mandab, através do qual normalmente passam cerca de 15% do comércio mundial.

O apoio do Irã

Depois de uma guerra civil que eclodiu em 2014 no Iêmen, os houthis controlam agora a maior parte do populoso norte do país, incluindo o porto de Hodeida, onde estão detidos alguns dos navios que sequestraram no Mar Vermelho.

No ano passado, em um desfile militar em Sanaa, capital do Iêmen, os houthis exibiram alguns dos seus equipamentos militares, incluindo um avião de combate, assim como uma série de drones, mísseis, veículos, navios e minas anti-navio.

Durante o desfile, puderam ser lidos cartazes que diziam: “Morte aos Estados Unidos, morte a Israel”.

Há muito tempo, os Estados Unidos e os estados do Golfo acusam o Irã de fornecer tecnologia de mísseis e drones ao houthis, bem como treinamento.

Com os seus mais de 20 ataques contra navios no Mar Vermelho ao longo de mais de dois meses, os houthis, além de exporem ao mundo o seu apoio à causa palestina em Gaza, mostraram a sua capacidade de prejudicar os interesses do Ocidente.

E, como apontam os especialistas, projetaram sua imagem não só no cenário regional, mas também no cenário internacional.

“Os houthis são empreendedores militares muito bons”, disse ao Financial Times o especialista em Iêmen Farea al Muslimi, do centro de pesquisas Chatham House.

“Eles realmente acreditam que lhes foi apresentada a oportunidade certa para defender a Palestina e se opor a Israel, e para mostrar quão hipócritas são outros países árabes [por não fazerem o mesmo].”

“À medida que a guerra em Gaza continua, os houthis intensificarão (as suas ações) no Mar Vermelho”, acrescentou.

O fator palestino

Na verdade, a campanha dos houthis no Mar Vermelho expôs a causa palestina e o seu apoio ao Hamas na cena internacional.

Essa postura foi muito bem recebida entre sua própria população e em quase todo o Oriente Médio, onde o consenso popular é que os Estados Unidos e os seus aliados são parte do problema ao alimentarem a máquina de guerra de Israel e ao bloquearem os apelos a um cessar-fogo em Gaza.

Muitos nos países árabes também criticaram a incapacidade dos seus próprios governos em impedir o aumento do número de mortes de civis em Gaza, que agora ultrapassa as 22 mil.

Como explica Frank Gardner, muitos desses governos árabes não gostam dos houthis e dos seus aliados iranianos, mas “não ousam correr o risco de provocar agitação civil ao aderirem a qualquer ação militar contra os rebeldes”.

“Eles estão agora numa posição difícil porque o apoio dos houthis ao Hamas e o seu desafio aberto a Israel se revelaram populares entre as populações árabes.”

O silêncio da Arábia Saudita

Um grande país da região que permaneceu em silêncio é a Arábia Saudita.

Os sauditas entraram numa guerra civil sangrenta contra os houthis no Iêmen em 2015, na esperança de subjugá-los com os seus ataques aéreos e reverter sua tomada de controle do país.

A intervenção saudita não funcionou e, desde então, cerca de 150 mil pessoas morreram no Iêmen.

Além disso, os houthis não resistiram apenas aos ataques da Arábia Saudita. Também responderam com os seus próprios ataques com mísseis e drones contra aeroportos, cidades e instalações petroquímicas sauditas.

A resistência dos houthis à Arábia Saudita provavelmente os encorajou a desafiar os avisos dos EUA e dos seus aliados e a continuar a sua campanha no Mar Vermelho.

Se a sua campanha continuar agora, arriscam-se a estender a guerra de Israel e do Hamas para além dessas fronteiras e a desencadear um conflito com o Irã que muitos querem evitar.

Como destaca o correspondente internacional da BBC Nawal al-Maghafi, os EUA e os seus aliados esperam que seus ataques de sexta-feira sirvam de dissuasão para os houthis, mas é pouco provável que eliminem a ameaça representada pelo grupo militar.

“Militarmente, os houthis foram subestimados repetidas vezes. Os locais que foram atacados (na sexta-feira) mal arranham a superfície em termos das suas capacidades militares, especialmente das suas armas marítimas”, afirma o correspondente.

“Se a guerra contra os houthis no Iêmen nos últimos nove anos conseguiu alguma coisa, foi o fortalecimento dos seus laços com o Irã. E com o apoio iraniano, parecem ser mais estratégicos e mais bem equipados do que qualquer um gostaria de reconhecer”, acrescenta.

INSS divulga tabela de reajuste escalonado para quem começou a receber benefício ao longo de 2023

Os segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que passaram a receber aposentadoria, pensão ou auxílio ao longo de 2023 — e ganham acima do salário mínimo nacional — terão um reajuste proporcional neste ano, considerando somente os meses em que receberam o benefício. Por isso, os ministérios da Previdência Social e da Fazenda divulgaram, nesta sexta-feira, uma tabela escalonada com percentuais de correção de acordo com o mês de concessão.

A tabela consta da Portaria Interministerial MPS/MF 2. A regra, segundo o INSS, é que esses segurados não sofreram os efeitos da inflação sobre seus benefícios durante o ano inteiro de 2023. Por isso, fazem jus à reposição proporcional.

A correção será aplicada aos benefícios de janeiro, pagos nos primeiros cinco dias úteis de fevereiro.

Confira:

Mês de concessão do benefício x Percentual de reajuste

Concedido até janeiro de 2023 – 3,71% Concedido em fevereiro de 2023 – 3,23% Concedido em março de 2023 – 2,44% Concedido em abril de 2023 – 1,79% Concedido em maio de 2023 – 1,26% Concedido em junho de 2023 – 0,89% Concedido em julho de 2023 – 0,99% Concedido em agosto de 2023 – 1,08% Concedido em setembro de 2023 – 0,88% Concedido em outubro de 2023 – 0,77% Concedido em novembro de 2023 – 0,65% Concedido em dezembro de 2023 – 0,55%

Mais recente Próxima INSS: confira a nova tabela de contribuição de 2024 para os trabalhadores da iniciativa privada

Argentina: Milei diz que “cedo ou tarde” fechará Banco Central

O presidente da Argentina, Javier Milei, afirmou nesta quinta-feira, 11, que “cedo ou tarde” fechará o Banco Central do país, conhecido como BCRA. Os comentários foram realizados em entrevista à rádio La Red AM, quando questionado se ainda implementará a dolarização na Argentina.

O presidente ainda demonstrou otimismo sobre os números da inflação em dezembro, prevendo que o aumento de preços deve ser em torno de 25%, de expectativas prévias de 45% entre analistas do mercado. Para ele, se confirmado, o número representará uma vitória para o governo e demonstrará a efetividade das políticas econômicas ortodoxas implementadas até o momento.

“Estamos trabalhando para transformar a Argentina em uma potência mundial nos próximos 35 anos, com a primeira parte desta melhora visível nos primeiros 15 anos”, afirmou Milei.

Sobre o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), Milei classificou a “negociação como a mais rápida da história”. Ele ainda comentou sobre a viagem para o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) em Davos, Suíça, na semana que vem. O presidente argentino revelou que recebeu mais de 60 convites para reuniões bilaterais no evento.

Milei também afirmou que a relação comercial com o Brasil segue “madura” e sem qualquer modificação.

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Bia Kicis: “querem evitar candidatos da direita”

A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) avaliou a declaração do presidente Lula sobre regulamentação das redes sociais e de big techs (empresas gigantes de tecnologia) como uma grande ameaça à democracia. Em entrevista às jornalistas Ana Maria Campos e Denise Rothenburg, no programa CB.Poder — parceria entre Correio e TV Brasília —,ontem, a parlamentar criticou a forma como Lula citou o governador Ibaneis Rocha (MDB) no documentário sobre o 8 de janeiro.

Vejo isso como uma ameaça à democracia deles. Não se combate desinformação com censura. A única maneira de combater desinformação é com informação. O público e a audiência devem decidir aquilo que pretendem consumir. Quando percebo essa movimentação, pode ser o último golpe contra a democracia, pois o grande problema é a informação e a verdade. As pessoas que dizem combater as fake news não temem a mentira, mas têm medo da verdade. Isso fica muito evidente quando você percebe o que aconteceu nas eleições passadas, onde eu e tantos candidatos conservadores trazíamos para o público informação de que o então candidato Lula era favorável ao aborto, amigo do ditador da Nicarágua, do ditador da Venezuela, e tudo isso foi taxado como fake news. Nossas páginas foram censuradas e derrubadas. As publicações foram retiradas do ar. Se isso foi considerado desinformação e se comprovou a verdade, está muito claro que eles querem evitar que candidatos da direita e apoiadores do Bolsonaro falem a verdade.

Não acompanhei o desfecho dessa reunião, mas acho que seria muito importante devolver essa medida provisória, pois é um desrespeito muito grande com o Parlamento. Parece que não temos mais três Poderes, são apenas o Executivo e o Judiciário. O Parlamento precisa se levantar e mostrar que não vai aceitar. Acabamos de votar a prorrogação da desoneração da folha dos 17 setores. A MP trata da questão de um subsídio votado em 2021, com prazo até 2027, que ajudava setores como o turismo. O Haddad e o Lula, com a MP, estão acabando com esse incentivo. O subsídio é para dar um respiro e folga aos setores como os bares e restaurantes. Se não derrubarem a medida, vai ocorrer um desemprego muito grande.

São muitas mulheres querendo ser candidatas a governadora e ao Senado em 2026. Como essa ala conservadora, com tantas mulheres, vai se acomodar até as eleições?

São muitas mulheres competentes para ocupar espaços. O problema é quando falta gente capacitada. Tenho certeza que nós iremos conversar e decidir, pois em política não se faz nada sozinho. Precisamos olhar para o grupo, descobrir o que é importante e o que a população quer. Sou cobrada para alçar voos mais altos. Olha, nós vamos conversar e decidir, temos um grupo político e vai se organizar. O governo não é o meu sonho, prefiro o Parlamento. Mas a política é muito complexa. Temos boas candidatas ao governo, a primeira da fila é a Celina, não tenho dúvida disso.

É um absurdo um presidente da República fazer isso. Uma fala tão leviana como essa beira à insanidade. Ele não tem nenhuma prova disso, acusar o governador e o ex-presidente de conluio. Pediu a prisão e disse que o governador deveria ser preso. Não tenho dúvida de que, no fundo, o que ele quer é a prisão do Bolsonaro. O PT quer a prisão do Bolsonaro. Estamos vivendo um momento muito grave no nosso país. Quando existe uma corte eleitoral e condicional que toma uma posição política e quer, a todo o custo, tirar um candidato a ponto de dizer “vencemos o bolsonarismo”, e agora uma ministra do Planejamento dizendo que eles venceram, mas não eliminaram os opositores. É uma coisa pavorosa e de espantar qualquer um.

*Estagiário sob a supervisão de Márcia Machado

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Atividade econômica cresceu no 3º trimestre de 2023

A atividade econômica no Distrito Federal cresceu no terceiro trimestre da 2023. É o que aponta a 26ª edição do Boletim de Conjuntura do DF, apresentado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), nesta quarta-feira (10/1).

Segundo o levantamento, a atividade econômica da capital, nos meses de julho, agosto e setembro, foi marcada por uma recuperação no volume de serviços e nas vendas do comércio varejista ampliado (que engloba também o comércio de bens duráveis).

A Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) indica que a maioria dos segmentos do comércio cresceu. O volume de vendas do comércio varejista ampliado cresceu 1,4% em 12 meses (encerrados em setembro), em relação ao mesmo período do ano anterior. Apesar de representar uma queda em relação aos meses de julho (2,0%) e agosto (1,9%), o resultado é melhor do que o observado ao final do segundo trimestre (1,0%), o que representa uma tendência de melhoria no indicador.

No que se refere ao volume de vendas do comércio (acumulado em 12 meses), o DF se encontra na décima sexta posição entre as Unidades da Federação (UF). O resultado da capital federal ficou abaixo do indicador nacional, que cresceu 1,6%. Os extremos foram marcados pelos estados do Maranhão, que registrou o maior crescimento, de 9,8%, e de Mato Grosso do Sul, com a maior retração no volume de vendas do comércio, de 4,9%.

Com uma expansão de 3,2% em 12 meses (encerrados em setembro), em relação ao mesmo período do ano anterior, o setor de serviços do DF também se destacou na análise do Boletim. O resultado sinaliza uma continuidade da recuperação após as sucessivas quedas desde dezembro de 2022. No contexto nacional, embora o setor de serviços também tenha desacelerado, o cenário apresenta crescimento de 4,4% na mesma base de comparação. Comparado com os Estados brasileiros, o DF registrou a quarta menor variação do volume de serviços. Todos os estados registraram variações positivas, sendo o maior e o menor crescimento observados nos estados de Mato Grosso (19,4%) e Amapá (0,5%), respectivamente.

No terceiro trimestre de 2023, houve uma aceleração na inflação em relação ao segundo trimestre do mesmo ano. O grupo Transportes impulsionou o cenário inflacionário no período, refletindo as altas nos preços da Gasolina (6,05%), do Óleo Diesel (22,31%), da Passagem aérea (14,33%) e das taxas de Emplacamento e licença (3,48%). O desempenho trimestral foi contrabalanceado pela deflação do grupo Alimentação e bebidas.

A análise por faixas de renda, realizada com a metodologia do IPEDF, apontou inflação mais intensa para as famílias de renda alta, dada a diferença nos pesos dos grupos de bens e serviços no orçamento familiar. Já o Índice de Preços ao Consumidor (INPC) apresentou alta de 0,71% nos preços dos bens e serviços para as famílias com renda de 1 a 5 salários mínimos, enquanto a inflação, medida pelo IPCA, registra aumento de 1,32% nos preços, indicando inflação menos intensa para as famílias de renda mais baixa.

O estudo conjunto da Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal (PED-DF) e do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged) aponta uma tendência de estabilidade no mercado de trabalho. A PED sinalizou um aumento da taxa de desemprego e a queda na taxa de participação da população no mercado de trabalho entre o segundo e terceiro trimestre de 2023. Por outro lado, o Novo CAGED aponta um aumento de 26,4% no saldo de empregos formais, com a criação de 12.202 novas vagas no mesmo período.

Vale lembrar que essa diferença observada nos resultados das duas pesquisas se dá pela PED abranger a população de 14 anos ou mais residente no DF, enquanto o Novo Caged concentra-se nos vínculos formais registrados na capital federal.íodo.

Com informações do IPEDF

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Banco Mundial alerta para pior desempenho da economia global

O Banco Mundial manteve sua projeção para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global em 2024 em 2,4%, o que marcaria o terceiro ano seguido de desaceleração. Em seu relatório de Perspectivas Econômicas Globais, publicado, nesta terça-feira (9/01), a entidade alertou para o risco de uma “década de oportunidades desperdiçadas”, com a economia global caminhando para ter sua pior performance em meia década.

Com exceção da forte recessão causada pela pandemia de covid-19 em 2020, este seria o crescimento global mais baixo em um ano desde a crise financeira de 2008. O documento estima que a economia global tenha expandido 2,6% em 2023 e que deve voltar a acelerar levemente a 2,7% em 2025.

A desaceleração neste ano, de acordo com o banco, será resultado dos efeitos atrasados do aperto na política monetária e condições financeiras restritivas, ao lado de investimento e comércio globais fracos.

O relatório ainda destaca que a atividade enfrentará riscos negativos de uma possível escalada de conflitos no Oriente Médio, que poderá levar a um aumento dos preços do petróleo, e a fenômenos meteorológicos extremos, que afetam principalmente a agricultura, a energia e a pesca.

Além das dificuldades para a economia global, a organização financeira destaca que a recuperação pós-covid tem sido muito desigual. “O crescimento a curto prazo permanecerá fraco e levará muitos países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres, a uma armadilha: com níveis de dívida paralisantes e acesso precário aos alimentos para quase uma em cada três pessoas”, disse Indermit Gill, economista-chefe do Banco Mundial.

A maioria das economias avançadas voltou a níveis equivalentes ou superiores aos anteriores à pandemia, mas este não é o caso de muitos países em desenvolvimento ou emergentes. “Sem uma aceleração do crescimento global nos próximos anos, a população de um em cada quatro países em desenvolvimento será mais pobre até o final da década de 2020 do que era antes da pandemia”, disse Gill.

Os efeitos do aperto monetário devem chegar ao seu pico em 2024 e poderão fazer com que as taxas de juros reais permaneçam elevadas por um período prolongado, à medida que a inflação retorna à meta apenas gradualmente. De acordo com o Banco Mundial, essa configuração deverá manter restritiva a postura da política monetária dessas economias no curto prazo.

Nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, a instituição pondera que o ciclo de relaxamento monetário poderá ser contido pela diminuição nos diferenciais de juros em relação às economias avançadas.

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