O revés venezuelano com decisão de corte internacional de manter investigação por supostos crimes contra a humanidade

O governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, sofreu um revés com a rejeição de um recurso de apelação perante a Corte Penal Internacional (CPI), onde buscava interromper as investigações sobre possíveis crimes contra a humanidade.

“A Câmara de Apelações (…) rejeita os argumentos apresentados pela Venezuela. Recusa as apelações e confirma a decisão impugnada”, declarou o juiz Marc Perrin de Brichambaut ao tribunal sediado em Haia, conforme relatado pela agência AFP.

Em novembro de 2021, a Venezuela tornou-se o primeiro país da América Latina no qual a CPI iniciou uma investigação formal, após o promotor britânico Karim Khan anunciar a abertura do caso conhecido como “Venezuela I”, relacionado a alegados crimes contra a humanidade ocorridos em 2017.

Nesse ano, violentos protestos contra o governo de Maduro eclodiram, com milhares de pessoas indo às ruas devido à escassez de alimentos e medicamentos, inflação e insegurança.

As manifestações foram intensificadas pela suspensão de um referendo revogatório contra o presidente.

O recurso de apelação da Venezuela

No ano passado, o governo de Maduro apelou uma decisão favorável à retomada da investigação, argumentando que o princípio da complementaridade deveria ser respeitado.

Esse princípio estabelece que um tribunal internacional complementa a justiça nacional e só pode intervir se um país não estiver investigando os mesmos crimes.

Segundo a agência Reuters, os juízes de apelação unânimes rejeitaram todos os argumentos da apelação, dando luz verde à Procuradoria do CPI para retomar as investigações sobre os abusos.

Em resposta à decisão, o governo venezuelano expressou em um comunicado seu “desacordo” com a decisão, alegando que ela “responde à intenção de instrumentalizar os mecanismos da justiça penal internacional com fins políticos, baseando-se em acusações de supostos crimes contra a humanidade que nunca ocorreram”.

A nota também afirma que toda essa manobra foi construída a partir da manipulação de um pequeno conjunto de crimes e acusa a oposição de distorcer casos de alegadas violações dos direitos humanos.

O governo de Maduro assegura estar investigando as denúncias e sustenta que não houve crimes contra a humanidade em larga escala.

Em 2020, Khan afirmou que havia “bases razoáveis” para acreditar que funcionários governamentais e militares perpetraram desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias e torturas contra dissidentes durante os protestos de 2017, nos quais 125 pessoas perderam a vida.

A decisão da Sala de Apelações da CPI foi aplaudida por organizações de defesa dos direitos humanos na Venezuela, em meio a protestos exigindo a libertação da ativista Rocío San Miguel, detida em 9 de fevereiro.

Durante vários dias, as autoridades não forneceram informações sobre seu paradeiro e negaram acesso a familiares e advogados.

San Miguel foi acusada de participar de uma alegada conspiração para assassinar Maduro e permanece detida em El Helicoide, denunciado pela dissidência como “o maior centro de tortura da Venezuela”.

A detenção de San Miguel foi qualificada como desaparecimento forçado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, uma afirmação que enfureceu Maduro, levando-o a ordenar a expulsão de todo o pessoal dessa instância na Venezuela.

A Missão Internacional Independente de Determinação dos Fatos sobre a Venezuela, um mecanismo da ONU com um mandato separado do Alto Comissariado, investigou e documentou casos de execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias, torturas e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes ocorridos desde 2014.

Serra Pelada: Um destino sustentável com visão de futuro, inovação e desenvolvimento!

Em abril de 2023, a Associação Empresarial e Agropastoril de Curionópolis, onde se encontra o distrito de Serra Pelada, no estado do Pará, implantou de forma corajosa e futurista, a Câmara Empresarial de Turismo – CETUC em sua estrutura administrativa, com uma composição, que pinça associados advindos da cadeia produtiva de serviços, que abastecem a movimentação turística no município.

Esta iniciativa se deu em parceria com uma empresa mineradora que atua no território e que disponibilizou uma consultoria técnica para assessorar o empresariado local, no que tange às discussões necessárias a diversificação econômica naquele pequeno município, que por hora respira os benefícios da atividade mineradora, mas que tem um empresariado atento à necessidade de se planejar o futuro econômico!

De olho no turismo

De lá para cá, mensalmente tenho acompanhado presencialmente a evolução das discussões da Câmara Empresarial de Turismo da Associação Comercial de Curionópolis e fica nítida a compreensão de todos sobre o que tem representado a movimentação em torno da atividade turística nas últimas décadas, sendo o turismo visto como uma das mais promissoras atividades econômicas mundiais, geradora de postos de trabalho e de divisas.

Reunião Câmara Empresarial (Foto: CETUC)

O turismo gera atividades indiretas que atingem os mais variados setores da economia, desde a indústria até a agricultura. O setor de turismo é muito reconhecido por gerar empregos em variados segmentos e por demandar mão de obra intensivamente, sendo muitas vezes a porta de entrada de muitos trabalhadores para o mercado de trabalho, portanto, a atividade turística, é pauta para o setor empresarial.

É notório, que a atividade turística tem impactos econômicos positivos de fácil avaliação e mensuração. Provoca um aumento das receitas para quase todos os tipos de serviços, com um incremento direto na renda dos moradores.

Sobre Curionópolis e Serra Pelada

Curionópolis, hoje tem uma população de aproximadamente 19 mil habitantes e está localizado a 753 quilômetros da capital do Pará, Belém e está localizada bem ao lado da progressista Parauapebas na região de Carajás.

Hoje a economia local se consolida na geração de emprego dos projetos de mineração em implantação e de uma boa fatia do comercio local, onde é real uma significativa geração de empregos. O comercio se configura principalmente nos gêneros alimentícios, de vestuários, hotelaria, combustíveis e serviços diversos.

Ou seja, Curionópolis é uma cidade pacata, com um quotidiano rotineiro e que vê na atividade turística uma oportunidade de fomento, que contribui com a autoestima e com sentimento de pertencimento de suas belezas naturais, suas tradições e de seu ímpeto empreendedor, afinal por lá já é consenso, que o turismo “Resgata tradições culturais e identidade locais e valoriza o saber fazer”, de acordo com opiniões de moradores.

Cava principal de Serra Pelada, hoje inundada (Foto: Ubiraney Figueiredo)

Curionópolis percebe como seu maior atributo, o distrito de Serra Pelada, local, que foi palco da mais fascinante passagem sobre o garimpo no Brasil, onde uma legião de garimpeiros se arriscavam, com esforços dos mais rudimentares para tentar lucrar com uma pequena parte, das toneladas de ouro, que eram garimpadas na grande cava. Há relatos de que em 1983 a exploração alcançou uma produção estimada de mais de 17 toneladas de ouro, considerado o recorde da exploração em Serra Pelada.

Enfim, uma passagem intrigante, alarmante, emocional, desafiadora e muito instigante do desenvolvimento social e econômico daquela região, que merece ser revista, em um capítulo especial por aqui.

Vou tentar, em algum momento, resgatar essa passagem importante da história contemporânea do Brasil.

Um novo produto turístico

Por hora, voltemos ao brilhantismo da iniciativa da implantação da Câmara Empresarial de Turismo da Associação Comercial de Curionópolis, porque já se aproximando o primeiro aniversário de sua implantação, caminha a passos largos, firmando parcerias consistentes, que incluem, dentre outros atores o SEBRAE, vislumbrando apresentar em breve, o seu primeiro produto turístico para o mercado,

Este novo produto chegará com uma pegada socialmente responsável e confirmando que Serra Pelada, com todo o seu arcabouço histórico, social, econômico e emocional, será mostrado como um destino sustentável, no estado do Pará, que colaborará com a conservação ambiental, contribuindo com o acesso aos recursos naturais dentre outros atributos e vocações locais a futuras gerações.

Já dizia a Organização Mundial do Turismo, que “Os impactos socioculturais do turismo nas cidades de destino e na vida dos residentes são o resultado das relações sociais cultivadas durante a permanência dos turistas, cuja intensidade e duração dependem de fatores espaciais e temporais restritos (OMT, 2001)”.

A movimentação turística, consolida-se como atividade geradora de emprego, renda e desenvolvimento econômico, principalmente, em territórios, que apostam nesse ramo de atividade e realizam investimentos de todas as ordens, agregando capacitações profissionais, revitalizações tanto de áreas públicas quanto privadas, além da oferta de novas experiências.

A atividade turística é uma das mais importantes no setor econômico e da geração de emprego e renda, assim como a criação de novos negócios e aumento da produção de bens e serviços, uma vez que traz com ela, desenvolvimento às localidades, e possíveis melhorias na infraestrutura, trazendo benefícios aos turistas e promovendo a qualidade de vida das comunidades!

É inegável, que a atividade turística ordenada e bem planejada, tem uma oferta “democrática” de empregos, gera renda e oportunidades e fomenta o senso de pertencimento local e o desenvolvimento intelectual e econômico das comunidades!

Ainda é precoce falarmos de maneira mais profunda sobre este novo produto turístico, mas de fato, as decisões vêm sendo tomadas por lá!

Um relato consciente da empresária Iraídes

Vejam o que diz a empresária Iraídes Campos, que também é a atual Presidente da Associação Comercial de Curionópolis: “Como Presidente da Associação Comercial e Agroindustrial de Curionópolis (ACAC), vejo a criação da Câmara Empresarial de Turismo dentro da nossa estrutura como um passo estratégico e visionário.

Este movimento não é apenas uma aposta no turismo como vetor de desenvolvimento econômico, mas também um reconhecimento do potencial inexplorado de nossa região. A qualificação da cadeia produtiva local, em sintonia com a valorização das nossas potencialidades turísticas, reflete nosso compromisso com a sustentabilidade e a geração de oportunidades. Estamos diante de uma possibilidade real de transformar Curionópolis em um destino reconhecido pela sua oferta turística diferenciada e responsável, fomentando assim, não só o crescimento econômico, mas também a inclusão social e a preservação ambiental.

Cava principal de Serra Pelada (Foto: Ubiraney Figueiredo)

Além disso, não podemos esquecer o papel fundamental que a história e a cultura do garimpo desempenham em nosso município, especialmente em Serra Pelada. O legado econômico e social dessa era marcada pela força e determinação de nossos antepassados, constitui uma rica herança que pretendemos valorizar e compartilhar com o mundo.

Ao integrar a narrativa do garimpo à nossa proposta de turismo, reafirmamos a identidade única de Curionópolis e criamos uma conexão autêntica com visitantes em busca de experiências significativas. A ACAC está comprometida em liderar esse movimento, visando não apenas o engrandecimento econômico, mas também a preservação da nossa história e a promoção de um futuro mais próspero e sustentável para todos.”

Fantástico, concordam? Fico maravilhado, depois de tantos anos militando nos processos de desenvolvimento responsável do turismo no Brasil, ouvir o segmento empresarial ter tamanha clareza do seu fundamental papel neste processo.

Planejamento turístico é essencial

Dentre outras questões, essa percepção traz à tona a importância do planejamento turístico. Nada se transforma “da noite pro dia”, como se diz no bom mineirês!

Trata-se de um exercício de alinhar o trabalho dos diferentes atores ligados ao turismo, de forma a obter um conjunto integrado de ações que contribuam como o desenvolvimento e melhoria dos produtos e serviços turísticos e, consequentemente, melhore a qualidade de vida e aquece a economia local;

Por isso criar uma Câmara Empresarial de Turismo na estrutura da Associação Comercial de Curionópolis, foi uma tacada de mestre, uma vez que a própria entidade cuidou de se instrumentalizar para o desenvolvimento de uma nova matriz econômica, promovendo a gradativa diversificação na economia local.

O ponto positivo para a Câmara Empresarial de Turismo é que o Brasil só teve uma aventura social chamada Serra Pelada e ela está em Curionópolis. Já o contraponto está no fato de que a mesma Câmara Empresarial de Turismo não pode e não vai errar!

Entenda as Câmaras Empresariais

As Câmaras Empresariais são órgãos colegiados, consultivos, de apoio e intermediários nas representações, promoções e defesa dos interesses do desenvolvimento econômico local. Com estas ferramentas implementadas no meio comercial, ganham o setor dos meios de hospedagem, alimentos e bebidas, transporte, gastronomia típica, artesanato, setor cultural, dentre outros tantos.

Uma Câmara Empresarial de Turismo bem gerida é uma importante instituição que cumpre o objetivo de promover o turismo local e garantir o desenvolvimento sustentável do setor, contribuindo para a geração de emprego e renda e para a valorização da cultura e dos recursos naturais da região, que aliás são inúmeros.

O fato de a Associação Comercial instituir um foro de discussão, em nível de integração, entre o mercado e a atuação dos agentes econômicos privados e os trabalhadores no município, cria um canal significativo para que se promova um desenvolvimento local e este, alinhado com os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, que são um forte apelo à ação para acabar com a pobreza, proteger o planeta e assegurar que todas as pessoas tenham paz e prosperidade.

Não menos importante é o fato de que se torna primordial que a Câmara Empresarial de Turismo em Curionópolis atue como agente intermediário nas representações, promoções e defesa dos interesses do desenvolvimento sustentável da cidade, incentivando a qualificação de mão de obra, gerando fóruns de discussões, que estreitarão diálogos com empresários da cadeia produtiva e a sociedade local.

Daniel Soares, empresário e gestor da entidade

Um dos entusiastas e pessoa que cumpriu um papel importante na decisão de se implantar a Câmara Empresarial de Turismo na estrutura da Associação Comercial e Agropastoril de Curionópolis, o empresário e gestor da entidade, Daniel Soares comenta, “Vislumbramos no turismo não apenas uma fonte de renda adicional, mas uma poderosa ferramenta para qualificar a cadeia produtiva local. Através do desenvolvimento de serviços turísticos de qualidade, capacitando os empreendedores locais e promovendo a preservação dos recursos naturais, podemos impulsionar o crescimento econômico de forma sustentável. Além disso, reconhecemos as potencialidades únicas de nosso município como um destino turístico sustentável.

Monumento ao garimpo (Foto: Ubiraney Figueiredo)

Curionópolis possui uma rica história e paisagens deslumbrantes, que podem atrair visitantes em busca de experiências autênticas e contato com a natureza. Através da promoção e valorização desses atrativos, podemos diversificar nossa economia e criar oportunidades para a comunidade local.

É impossível falar sobre o potencial turístico de Curionópolis sem mencionar a força histórica e social do movimento do garimpo em nosso distrito de Serra Pelada. Essa trajetória única deixou um legado econômico e cultural que ainda ressoa em nossa comunidade. Ao reconhecer e preservar essa herança, podemos não apenas atrair visitantes interessados em conhecer nossa história, mas também gerar oportunidades de emprego e desenvolvimento para nossos cidadãos.

Portanto, vemos na implantação da Câmara Empresarial de Turismo uma oportunidade de unir esforços e recursos em prol do desenvolvimento sustentável de Curionópolis. Ao trabalharmos juntos para promover nosso destino e qualificar nossa oferta turística, estamos construindo um futuro mais próspero e inclusivo para todos os envolvidos.”

Pois é, preciso caminhar para o fechamento desse texto, mas antes, é necessário ressaltar que mesmo repetindo insistentemente a força propulsora na economia, que pode ser impulsionada por meio da atividade turística, todas as vezes, que me deparar com tomadas de decisões assertivas em favor do desenvolvimento de territórios lançando mão deste segmento que prezo tanto, como foi o caso da Associação Comercial de Curionópolis, implantando um colegiado específico para discutir o tema turismo, farei questão de trazer ao destaque.

Acompanhem o município de Curionópolis daqui pra frente e observem a transformação, que está só começando!

Viva a Região Norte e viva o Brasil!

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Milei falará na abertura do Congresso argentino, que chamou de “ninho de ratos”

O presidente da Argentina, Javier Milei, fará um discurso nesta sexta-feira (1º) na abertura das sessões ordinárias do Congresso, em meio a um clima social tenso marcado por greves e mobilizações e um aumento da inflação, da pobreza e da indigência.

“Ninho de ratos”, “criminosos”, “traidores”, “corruptos”, “símbolos de casta”: Milei não tem poupado adjetivos desse tipo para os legisladores diante dos quais falará em rede nacional.

“Eles precisam aceitar que as pessoas odeiam os políticos”, afirmou em declarações à imprensa. Além disso, em uma entrevista recente ao Financial Times, disse: “Não preciso do Congresso para salvar a economia”.

O consultor e analista político Raúl Timerman estimou que Milei “é e continuará sendo assim”.

“Isso o mantém bem posicionado em termos de opinião pública”, comentou à AFP, detalhando que Milei mantém uma imagem positiva para 50% do eleitorado, em comparação com os 55% que tinha ao assumir em 10 de dezembro.

Milei falará às 21h00 locais (mesmo horário de Brasília) em vez do meio-dia, como é a tradição, para coincidir com o horário de maior audiência televisiva e em meio a um forte esquema de segurança.

Enquanto isso, organizações sociais e políticas convocaram protestos ao cair da noite.

Desde o início da nova administração, a Argentina acumulou mais de 50% de inflação e um nível de pobreza que atinge mais da metade da população.

“Algo precisava ser feito”, “temos que aguentar”, “em algum momento vai melhorar”, dizem os eleitores que apoiam o presidente de extrema direita, explicou Timerman com base em estudos realizados pela consultoria que ele dirige, o Grupo de Opinião Pública.

Dez dias após sua posse, Milei emitiu um decreto presidencial (DNU) para modificar ou revogar mais de 300 normas, incluindo as leis de aluguéis, abastecimento e controles de preços.

Depois, tentou a aprovação no Congresso da “Lei Ómnibus”, com 664 artigos que buscavam mudanças estruturais, como a privatização de 41 empresas estatais, e outras normas mais curiosas, como exigir que juízes usem toga preta e um martelo.

Mas o projeto de lei não teve o sucesso que o governo esperava e o próprio Milei ordenou sua retirada.

Em resposta aos seus ajustes fiscais draconianos, as principais confederações de trabalhadores, junto com partidos políticos de oposição, realizaram uma greve nacional e várias greves setoriais.

Organizações sociais também protestam contra a suspensão do envio de alimentos pelo governo a milhares de refeitórios comunitários.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), que prevê uma contração econômica de 2,8% em 2024 para a Argentina, saudou as medidas adotadas pelo governo, mas recomendou que sejam calibradas para proteger os setores mais pobres.

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Governo registra superávit de quase R$ 80 bilhões em janeiro

Depois de fechar o ano de 2023 com um déficit de R$ 230,5 bilhões, o governo federal registrou um superávit de R$ 79,3 bilhões para o primeiro mês de 2024. O dado, divulgado nesta quinta-feira (28/2) pelo Ministério da Fazenda, representa o terceiro melhor para a série histórica de janeiro do Tesouro Nacional, iniciada em 1997 — ficando atrás somente de 2022 e 2023.

Desconsiderando o valor da inflação, o resultado representa uma alta de 0,5% frente ao mesmo período de 2023, quando o governo apresentou saldo positivo de R$ 78,9 bilhões. Porém, ao levar em conta a correção pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), o rendimento das contas do governo federal de janeiro mostra uma queda de 3,8% em comparação ao superávit do mesmo período do ano passado, que foi de R$ 82,5 bilhões.

Os rendimentos do Tesouro Nacional e do Banco Central (R$ 96,1 bilhões) foram importantes para o resultado do último janeiro, frente ao déficit apresentado pela Previdência Social (R$16,7 bilhões).

De acordo com o Ministério, descontada a inflação do período, o mês de janeiro apresentou aumento de 3,7% da receita total, enquanto as despesas subiram em 6,8%, frente ao mesmo período de 2023.

O aumento da receita, segundo o Tesouro, se deveu ao aumento da arrecadação de impostos — aumento de R$ 2,7 bilhões no imposto de renda, R$ 6,5 bilhões da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), R$ 2,6 bilhões da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e de R$ 3,4 bilhões da arrecadação líquida para o Regime Geral da Previdência.

O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou que o resultado foi superior ao programado pelo governo para o mês — que era de R$ 67 bilhões — e que essa diferença ajudará a absorver eventuais frustrações nos próximos meses.

Rogério Ceron disse ver a arrecadação de fevereiro “em linha com o esperado” e julgou como “reduzida” a possibilidade de que o governo precise promover um bloqueio orçamentário ao fim do primeiro bimestre. Porém, isso dependerá do acompanhamento das despesas.

“Isso cria boas perspectivas. Tem desafios ainda, a Receita Federal está avaliando os impactos e as compensações em função de eventual ajuste no caso da reoneração da folha, e isso será acomodado”, afirmou Ceron.

*Estagiário sob supervisão de Ronayre Nunes

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Bem-estar animal e alívio financeiro para os tutores

No Brasil, os animais de estimação são parte integrante das famílias em milhões de lares. São companheiros leais, fonte de alegria e conforto emocional para seus tutores. Contudo, além do amor e dos cuidados diários, esses animais demandam despesas com saúde, incluindo consultas veterinárias, exames, medicamentos, terapias e procedimentos cirúrgicos. Considerando a relevância dos animais domésticos na sociedade brasileira, a dedução de despesas com veterinário e saúde animal no Imposto de Renda da Pessoa Física emerge como uma pauta prioritária.

Vale destacar que a saúde dos pets está diretamente relacionada à saúde pública, uma vez que animais saudáveis contribuem para a prevenção de zoonoses e para a promoção da convivência harmoniosa com os seres humanos. Além disso, o mercado pet movimenta bilhões de reais no Brasil, gerando empregos e fomentando a economia.

Infelizmente, a legislação tributária brasileira não contempla a dedução de despesas com veterinário no Imposto de Renda, o que representa uma lacuna significativa, considerando a relevância e o peso desses gastos para os orçamentos domésticos de muitas famílias. Entretanto, selecionei dois projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados e que buscam preencher essa lacuna.

O PL 1.165/2023, do deputado Celso Sabino (União-PA), já aprovado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, tramita em caráter conclusivo (sem necessidade de deliberação do Plenário) e aguarda apreciação das Comissões de Finanças e Tributação e de Constituição, Justiça e de Cidadania. A proposta prevê a dedução dos pagamentos com compra, treinamento, alimentação, acomodação e despesas veterinárias de cão-guia.

Pelo texto, essas deduções estão limitadas a R$ 1,5 mil por ano para despesas com alimentação e médicos veterinários, por exemplo, e a R$ 10 mil a cada cinco anos para a compra do cão. Não há dúvidas de que esses superanimais desempenham um papel crucial na vida de pessoas com deficiência visual, proporcionando-lhes autonomia, segurança e independência em suas atividades diárias. No entanto, os cuidados com esses animais representam um ônus financeiro significativo para seus tutores. A aprovação do PL é um passo importante na valorização e no reconhecimento do trabalho desses animais e na promoção da inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiência.

Já o PL 340/2023, da deputada Renata Abreu (PODE-SP), está na Comissão de Finanças e Tributação aguardando designação de relator. Trata-se de uma proposta mais abrangente, que permite a dedução dos valores gastos com médicos veterinários, exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos, próteses e tratamentos e terapias para todos os animais domésticos. Mais importante, ela traz o reconhecimento de que os animais de estimação são integrantes das famílias brasileiras. A inclusão dessas despesas como dedutíveis no Imposto de Renda, conforme proposto, seria um reconhecimento justo e necessário do compromisso e dos investimentos das famílias brasileiras no cuidado com seus animais de estimação.

A saúde dos pets demanda tratamentos e intervenções médicas onerosas, especialmente em casos de doenças crônicas, acidentes ou emergências. Para muitas famílias, arcar com esses custos pode representar um peso financeiro significativo, especialmente em um contexto de instabilidade econômica e inflação. A dedução de despesas com veterinário, portanto, vai permitir que os tutores procurem cuidados médicos adequados para seus animais de estimação, mesmo em situações financeiras mais restritas, impactando positivamente na redução do abandono e do sofrimento animal, além de promover uma cultura de responsabilidade e compromisso com o bem-estar dos bichinhos.

Representaria um avanço significativo na legislação tributária do país, alinhando-a com os princípios de equidade, solidariedade e proteção aos direitos dos animais. Uma medida justa, necessária e socialmente responsável, que reconheceria a importância dos animais de estimação na sociedade brasileira e incentivaria o cuidado e o respeito pelos seus direitos e bem-estar. Portanto, considero fundamental que os dois projetos de lei citados aqui sejam discutidos, aprimorados e aprovados, garantindo que essa importante demanda seja atendida e que as famílias brasileiras possam contar com um sistema tributário mais justo e inclusivo.

FÁBIO PAIVA

Jornalista

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Diretora do FMI elogia condução da política monetária do Brasil

A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, elogiou a condução da política monetária do Brasil pelo Banco Central (BC). Em texto publicado no blog da organização internacional nesta segunda-feira (26/2), em que trata da agenda do G20, ela recomendou que os bancos centrais mantenham o foco em “terminar o trabalho” de levar a inflação para a meta.

“A resposta firme e antecipada do Brasil ao aumento da inflação durante a pandemia é um bom exemplo de como a agilidade na formulação de políticas pode render frutos. O Banco Central do Brasil foi um dos primeiros bancos centrais a elevar os juros e, em seguida, relaxar a política à medida que a inflação voltava para o intervalo da meta”, escreveu Georgieva.

Segundo a diretora, trazer a inflação de volta à meta é de especial importância para as famílias pobres e para os países de baixa renda atingidos de forma desproporcional pela alta dos preços. “Como o núcleo da inflação permanece elevado em muitos países e ainda há riscos de a inflação subir, as autoridades precisam acompanhar atentamente a evolução da inflação subjacente e evitar flexibilizar cedo ou rápido demais”, aconselhou.

Ao comentar sobre as contas públicas, Georgieva, que estará em São Paulo nesta semana para o fórum econômico, se referiu à reforma tributária, aprovada no ano passado pelo Congresso Nacional, como “histórica”.

Para ela, é vital que os países continuem a fazer avanços importantes para aumentar a receita e eliminar ineficiências. “O Brasil demonstrou liderança nessa área com sua histórica reforma do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA). Mas muitos países estão atrasados, e têm margem para ampliar sua base tributária, fechar brechas e melhorar a administração tributária. É por isso que o G20 nos pediu para lançar uma iniciativa conjunta com o Banco Mundial para ajudar os países a reforçar a mobilização de recursos internos”, disse.

A dirigente destacou ainda que os países também devem ter como objetivo “construir sistemas tributários mais inclusivos e transparentes, zelando para que a arquitetura tributária internacional leve em conta os interesses dos países em desenvolvimento”.

A diretora-gerente do FMI pediu aos integrantes do G20 “ousadia” para melhorar as perspectivas de crescimento no médio prazo, com vistas e um futuro “mais equitativo, próspero, sustentável e cooperativo”. A previsão do Fundo é de que a economia mundial cresça 3,1% neste ano, com a inflação caindo e os mercados de trabalho se mantendo. “Essa resiliência constitui uma base para mudar o foco e voltar a atenção para as tendências de médio prazo que estão dando contornos à economia mundial”, afirmou.

Georgieva mencionou ainda que os riscos climáticos estão crescendo e já estão afetando o desempenho da economia, desde a produtividade agrícola até a confiabilidade do transporte e a disponibilidade e o custo do seguro.

“Com esse pano de fundo, a agenda do G20 do Brasil destaca questões fundamentais como inclusão, sustentabilidade e governança global, com uma ênfase oportuna na erradicação da pobreza e da fome. Essa agenda ambiciosa, apoiada pelo trabalho do FMI, pode orientar as autoridades neste momento crucial da recuperação mundial”, escreveu.

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Lavajatistas miram seus canhões em impeachment de Lula

Para quem gosta de porcalheira, os próximos dias serão animados. O Palácio do Planalto está preocupadíssimo com os rumores de que é certo um ataque bombástico, em breve, para tentar estilhaçar a República. Os canhões têm a marca lavajatista e estariam apontados para autoridades do executivo, membros do Judiciário, parlamentares e instituições de grande credibilidade, podendo respingar no mandatário da Nação. Estes respingos seriam subsídios para alguns pau mandados do Legislativo engrossarem a canja do pedido de impeachment do Presidente. O pavio para a reação do grupo, que vê a oportunidade de sobrevivência (e revanche) quando se avizinha o julgamento de Moro foi  a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que suspendeu o pagamento da multa de 10,3 bilhões de reais do acordo de leniência do grupo J&F, e que culminou também no pedido de investigação da atuação da Transparência Internacional (TI ) no Brasil. A ONG, como se sabe, sob ares de uma respeitada combatente contra a corrupção, cultivou laços libertinos com procuradores do Ministério Público Federal, na tentativa de gerir recursos oriundos de acordo de leniência. Mas isso é só a pontinha.

A artilharia montada seria pesadíssima,  buscando formar uma nuvem de fumaça tóxica suficiente o bastante para caminhar por Brasília e chegar a outras freguesias, estilhaçando imagens diversas. O ataque, dizem as fontes palacianas, estaria muito bem financiado. Aliás, o que não tem faltado aos partidários ao grupo da Lava-Jato, uma máfia com muitos tentáculos, é dinheiro para criar narrativas fantasiosas e soltá-las na mídia convencional visando disseminação  nas redes,  um enredo antigo, normalmente vinculado ao chamado “gabinete do ódio”, que já teve diversos remakes. Mas o “grupo da Lava Jato” , digamos assim, têm ramificações que vão além do “gabinete  do ódio”. O ponto de intersecção entre elas é a estratégia de sair emporcalhando o país para tomar o poder. O curioso é que o Palácio do Planalto, lideranças do Congresso, togados, até as torcidas do Flamengo e Corínthians, todo mundo sabe de onde sai o dinheiro. Ficam esperando Godot. E o Godot do “grupo da Lava Jato” chega. A Secom já está monitorando o assunto. A bomba, repita-se, estoura nos próximos dias. A fonte do Jogo Sujo raramente errou nas suas predições.

Fonte: Blog Jogo Sujo

Contas públicas no azul e pobreza: os dois lados do ajuste radical de Milei na Argentina

Na semana passada, a Argentina registrou dois marcos: pela primeira vez em mais de uma década, o Ministério da Economia anunciou que havia um excedente fiscal. Ou seja, arrecadou mais do que se gastou, algo que poucas vezes aconteceu no país sul-americano.

Pouco depois, o prestigiado Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA) divulgou um número que deixou muitos indiferentes: estimou que a pobreza em janeiro ultrapassava os 57%, o pior índice desde a crise de 2001/2002.

Esses dados refletem as duas faces da Argentina do presidente Javier Milei, o economista libertário que assumiu o cargo em dezembro passado prometendo melhorar a economia do país, que há décadas entra e sai da crise, e reduzir a inflação, que hoje é a mais alta do mundo.

Em apenas dois meses Milei conseguiu cumprir a meta de “déficit zero”, ou seja, deixar de ter as contas no vermelho. E os mercados mostram a sua satisfação.

Os títulos e as ações argentinas estão em alta, o dólar livre (ou “azul”) se estabilizou e o chamado “risco país” – índice que mostra a confiança na capacidade de um Estado pagar sua dívida – está no seu nível mais baixo dos últimos dois anos, o que pode ser interpretado como um sinal de que a direção macroeconómica está no caminho certo.

Mas o remédio que Milei aplicou para alcançar essas melhorias – um ajustamento sem precedentes – tem consequências graves numa população que já teve seis anos consecutivos de queda dos salários reais, com um salário mínimo que equivale a apenas US$ 160 (cerca de R$ 800), o segundo menor da região, atrás apenas da Venezuela.

Motosserra + liquidificador

Milei ficou famoso durante a campanha por brandir uma motosserra, símbolo de como planejava destruir os gastos públicos, motivo que tem levado o país a um déficit constante (112 dos últimos 122 anos).

Segundo o economista, as soluções que os diferentes governos têm aplicado até agora – emitindo mais notas ou pedindo dinheiro para cobrir essas despesas – levaram o país a ter uma inflação que ultrapassa os 250% anuais e a ser o principal devedor mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em vez dessas receitas, esse outsider, que entrou na arena política há menos de três anos, propôs uma solução mais drástica: cortar a origem do problema – os gastos excessivos – para atingir o “déficit zero”, que definiu como o seu principal objetivo de governo.

E em novembro passado, no segundo turno eleitoral, quase 56% dos argentinos apoiaram a ideia, que supostamente – segundo Milei – iria focar no corte de despesas da “casta”, como ele chama a classe política tradicional.

Mas poucos imaginavam quão rápidas e profundas seriam as mudanças que o novo presidente traria. Nem o quanto isso os afetaria diretamente.

No dia em que tomou posse, 10 de dezembro, Milei declarou que seu objetivo era cortar 5 pontos do Produto Interno Bruto (PIB), um ajuste raramente visto na história, não só deste país, mas do mundo.

Ele não havia detalhado que pretendia aplicar esse mega corte em menos de dois meses, algo também inédito.

Para atingir o seu objetivo, não só ligou a famosa motosserra, reduzindo ministérios e secretarias pela metade, paralisando novas obras públicas, cortando subsídios e despesas com publicidade institucional e eliminando transferências discricionárias para as províncias (o que tem gerado uma briga com os governadores desses distritos).

Ele também “ligou o liquidificador”, que realmente tem sido sua principal ferramenta de ajuste.

Ele emitiu um decreto para que este ano seja aplicado o mesmo orçamento que em 2023, fazendo com que as rubricas orçamentárias permanecessem abaixo da taxa de inflação (o que, na verdade, as reduziu fortemente).

Mas a sua medida mais contundente foi retirar metade do valor do peso face ao dólar, o que fez com que o poder de compra dos salários e das pensões entrasse em colapso – ou fossem passados por um “liquidificador”.

Segundo o economista Martín Polo, da consultoria Cohen Aliados Financieros, as medidas de Milei reduziram em mais de 38% as aposentadorias e pensões, principal despesa do Estado.

Os salários públicos também foram reduzidos em 27%, os subsídios econômicos (principalmente para energia) em 64% e as obras públicas em 86%. Tudo de uma vez.

Além disso, a forte desvalorização acelerou ainda mais a inflação, que dobrou entre novembro e dezembro, atingindo 25,5% mensais no final do ano.

Queda do consumo

O resultado dessas medidas foi tão impressionante quanto dramático.

Por um lado, o governo comemora ter alcançado em tempo recorde o seu objetivo de “déficit zero”, destacando que é a primeira vez desde 2012 que o setor público não reporta perdas.

Pelo contrário, em janeiro o governo teve um excedente – ou superávit – de mais de US$ 580 milhões.

Milei destaca ainda que a inflação, que parecia entrar num processo irreversível de hiperinflação, desacelerou, caindo cinco pontos no primeiro mês do ano (para 20,6%).

A maioria das previsões privadas antecipa que a tendência continuará descendente, com uma inflação que rondará os 15% em fevereiro.

Mas por trás disso, o custo humano dessas melhorias econômicas tem sido enorme.

Segundo o Observatório da Dívida Social, entre dezembro e janeiro a pobreza saltou, passando de 49,5% para 57,4%, valor próximo ao da pior crise que a Argentina viveu até agora, a de 2001/2002, quando houve um valor recorde de 65,5% da população na pobreza.

E, embora a queda da inflação gere expectativas, a dura realidade é que a principal razão pela qual os preços caem é que as pessoas já não têm dinheiro suficiente para gastar.

“Houve queda no consumo no mercado interno. As vendas no varejo caíram 26,8% no mês de janeiro, segundo a Confederação Argentina de Médias Empresas (CAME) e continuam caindo em fevereiro”, disse Damián Di Pace, diretor da consultoria econômica Focus Market, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

“E o consumo de massa caiu 18,5%, então o que vemos é uma queda na atividade.”

Ou seja: um aprofundamento da recessão que a Argentina já sofria, ou melhor, da “estagflação” – como explicou o próprio Milei – já que combina o estancamento econômico com uma inflação astronômica, o pior cenário.

Esse processo levou o FMI a reduzir drasticamente as suas projecções do PIB para a Argentina.

Enquanto em outubro havia prognóstico de um crescimento 2,8%, no final de janeiro essa expectativa foi mudada para algo negativo, estimando que, com as novas medidas anunciadas por Milei, a economia argentina vai contrair 2,8% neste ano.

O tsunami Milei

Os argentinos, de todas as camadas sociais, não esquecerão facilmente esses primeiros dois meses de governo de Milei.

Por um lado, os seus salários sofreram uma queda acentuada do poder de compra, devido à desvalorização e aceleração da inflação, que ultrapassou os 50% acumulados entre dezembro e janeiro (a inflação alimentar foi ainda maior).

Mas, ao mesmo tempo, os seus bolsos sofreram – e continuam sofrendo – um verdadeiro bombardeio devido à “honestidade de preços” que tem levado tanto a produtos como a serviços – que durante os anos do governo Kirchner foram “pisados”, devido à intervenção do Estado – de repente a se libertarem.

Devido à eliminação dos subsídios, o transporte público aumentou mais de 200% na região mais populosa do país e a tarifa de eletricidade subiu entre 65% e 150% (dependendo dos níveis de rendimento).

As empresas privadas de saúde, das quais dependem milhões de argentinos, aumentaram suas taxas em mais de 100% depois que o novo governo desregulamentou o setor.

“Os aumentos foram insanos. É a primeira vez na minha vida que não consigo pagar o plano de saúde”, disse à BBC News Mundo Andrés, um consultor privado de 60 anos que prefere não revelar o sobrenome.

“Vou ter que pedir empréstimo no banco para pagar porque tenho um problema crônico de saúde e não posso mudar meu plano, sou refém do sistema privado”, afirma.

“Espero que seja apenas por alguns meses, até que a economia melhore.”

Aqueles no meio

O receio é que muitas pessoas da classe média que já não podem pagar cuidados de saúde privados comecem a recorrer aos cuidados públicos, que já estão subfinanciados e sobrelotados.

Algo semelhante poderia acontecer com a educação. As aulas começam em março, depois das férias de verão, e muitas famílias terão de fazer as contas para ver se conseguem pagar as escolas privadas dos seus filhos, que anunciaram aumentos significativos depois de o governo Milei ter permitido que elas definam o valor das suas mensalidades “sem limites”.

O presidente indicou que está trabalhando em “um mecanismo de assistência” para resolver esse problema (“se ??a renda cai e você tem que mudar as crianças na escola, é traumatizante para pais e filhos”, disse ele em entrevista à Rádio La Red).

Mas ainda é cedo para saber se essa possível ajuda poderá aliviar os efeitos do ajuste econômico na classe média, a mais afetada juntamente com os aposentados.

É o que mostram os números do Observatório da Dívida Social, que indicam que enquanto nas famílias mais humildes, que recebem assistência social, a pobreza aumentou 9 pontos desde o terceiro trimestre de 2023, o maior aumento ocorreu entre as famílias que não se qualificam para receber ajuda do Estado, onde a pobreza saltou de 27% para 44% (17 pontos).

Esse aumento pode ser observado nos refeitórios sociais, onde, segundo movimentos sociais, o número de pessoas que frequentam diariamente aumentou pelo menos 50% desde dezembro.

“Me ajuda muito levar um prato de comida para que meus filhos fiquem mais saciados enquanto minha esposa cozinha e aguentem um pouco até a hora do lanche”, disse Daniel Barreto, pedreiro que frequenta o refeitório Las Hormiguitas Viajeras, no município. de San Martin, ao norte da província de Buenos Aires.

“Infelizmente, o dinheiro é inútil e tudo é dinheiro”, disse à agência AFP.

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) mostram porque “o dinheiro não serve para nada”: hoje o salário mínimo argentino representa menos de um terço do preço da cesta básica, o conjunto de bens e serviços que um casal com dois filhos precisa para não ficar na miséria.

E isso não inclui o aluguel, uma das maiores despesas de muitas famílias que não possuem casa própria.

O governo garante que está cuidando dos mais necessitados.

Embora tenha recebido muitas críticas pela decisão de deixar de enviar alimentos para restaurantes e lanchonetes populares, ao realizar uma auditoria que busca afastar organizações intermediárias que acusa de clientelismo, o governo destaca que aumentou a ajuda direta, duplicando a Bolsa Universal por Filho e aumento do cartão alimentação em 50%.

Em fevereiro, o Ministério do Capital Humano assinou também acordos de assistência alimentar com igrejas evangélicas e a associação católica Cáritas, num total de US$ 550 mil (cerca de R$ 2,7 milhões).

Mas neste momento não existem medidas para aliviar a situação das camadas médias e dos idosos, que mais viram os seus rendimentos liquefeitos.

O pior ainda está por vir

Em meio à dor que suas medidas ainda causam, o próprio Milei alertou que “o momento mais difícil será entre março e abril”.

No entanto, também disse que depois haverá uma recuperação em forma de V: “A partir daí você atingiu o fundo do poço e começou a se recuperar”, previu em diálogo com a Rádio Rivadavia.

“As estimativas do FMI dizem que podemos abrir as ações no meio do ano”, explicou, referindo-se ao levantamento das restrições de acesso a dólares que foram impostas anos atrás na Argentina devido à falta de reservas do Banco Central (que hoje permanecem no vermelho, embora estejam melhorando e aumentem em abril graças às exportações do campo).

“Quando você avança com as ações, a economia avança”, previu o presidente.

Nem todos concordam com essa previsão otimista. Mas mesmo aqueles que têm uma visão positiva se perguntam duas coisas.

De quanto será a redução de empregos e quantas empresas terão de fechar em consequência desse período de grave estagflação? Um dos poucos índices “positivos” da Argentina é a sua baixa taxa de desemprego, que ronda os 6%.

E mais: quanto tempo durará a tolerância das pessoas a essa realidade sem precedentes?

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Contas públicas no azul e pobreza: os dois lados do ajuste radical de Milei na Argentina

Na semana passada, a Argentina registrou dois marcos: pela primeira vez em mais de uma década, o Ministério da Economia anunciou que havia um excedente fiscal. Ou seja, arrecadou mais do que se gastou, algo que poucas vezes aconteceu no país sul-americano.

Pouco depois, o prestigiado Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA) divulgou um número que deixou muitos indiferentes: estimou que a pobreza em janeiro ultrapassava os 57%, o pior índice desde a crise de 2001/2002.

Esses dados refletem as duas faces da Argentina do presidente Javier Milei, o economista libertário que assumiu o cargo em dezembro passado prometendo melhorar a economia do país, que há décadas entra e sai da crise, e reduzir a inflação, que hoje é a mais alta do mundo.

Em apenas dois meses Milei conseguiu cumprir a meta de “déficit zero”, ou seja, deixar de ter as contas no vermelho. E os mercados mostram a sua satisfação.

Os títulos e as ações argentinas estão em alta, o dólar livre (ou “azul”) se estabilizou e o chamado “risco país” – índice que mostra a confiança na capacidade de um Estado pagar sua dívida – está no seu nível mais baixo dos últimos dois anos, o que pode ser interpretado como um sinal de que a direção macroeconómica está no caminho certo.

Mas o remédio que Milei aplicou para alcançar essas melhorias – um ajustamento sem precedentes – tem consequências graves numa população que já teve seis anos consecutivos de queda dos salários reais, com um salário mínimo que equivale a apenas US$ 160 (cerca de R$ 800), o segundo menor da região, atrás apenas da Venezuela.

Motosserra + liquidificador

Milei ficou famoso durante a campanha por brandir uma motosserra, símbolo de como planejava destruir os gastos públicos, motivo que tem levado o país a um déficit constante (112 dos últimos 122 anos).

Segundo o economista, as soluções que os diferentes governos têm aplicado até agora – emitindo mais notas ou pedindo dinheiro para cobrir essas despesas – levaram o país a ter uma inflação que ultrapassa os 250% anuais e a ser o principal devedor mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em vez dessas receitas, esse outsider, que entrou na arena política há menos de três anos, propôs uma solução mais drástica: cortar a origem do problema – os gastos excessivos – para atingir o “déficit zero”, que definiu como o seu principal objetivo de governo.

E em novembro passado, no segundo turno eleitoral, quase 56% dos argentinos apoiaram a ideia, que supostamente – segundo Milei – iria focar no corte de despesas da “casta”, como ele chama a classe política tradicional.

Mas poucos imaginavam quão rápidas e profundas seriam as mudanças que o novo presidente traria. Nem o quanto isso os afetaria diretamente.

No dia em que tomou posse, 10 de dezembro, Milei declarou que seu objetivo era cortar 5 pontos do Produto Interno Bruto (PIB), um ajuste raramente visto na história, não só deste país, mas do mundo.

Ele não havia detalhado que pretendia aplicar esse mega corte em menos de dois meses, algo também inédito.

Para atingir o seu objetivo, não só ligou a famosa motosserra, reduzindo ministérios e secretarias pela metade, paralisando novas obras públicas, cortando subsídios e despesas com publicidade institucional e eliminando transferências discricionárias para as províncias (o que tem gerado uma briga com os governadores desses distritos).

Ele também “ligou o liquidificador”, que realmente tem sido sua principal ferramenta de ajuste.

Ele emitiu um decreto para que este ano seja aplicado o mesmo orçamento que em 2023, fazendo com que as rubricas orçamentárias permanecessem abaixo da taxa de inflação (o que, na verdade, as reduziu fortemente).

Mas a sua medida mais contundente foi retirar metade do valor do peso face ao dólar, o que fez com que o poder de compra dos salários e das pensões entrasse em colapso – ou fossem passados por um “liquidificador”.

Segundo o economista Martín Polo, da consultoria Cohen Aliados Financieros, as medidas de Milei reduziram em mais de 38% as aposentadorias e pensões, principal despesa do Estado.

Os salários públicos também foram reduzidos em 27%, os subsídios econômicos (principalmente para energia) em 64% e as obras públicas em 86%. Tudo de uma vez.

Além disso, a forte desvalorização acelerou ainda mais a inflação, que dobrou entre novembro e dezembro, atingindo 25,5% mensais no final do ano.

Queda do consumo

O resultado dessas medidas foi tão impressionante quanto dramático.

Por um lado, o governo comemora ter alcançado em tempo recorde o seu objetivo de “déficit zero”, destacando que é a primeira vez desde 2012 que o setor público não reporta perdas.

Pelo contrário, em janeiro o governo teve um excedente – ou superávit – de mais de US$ 580 milhões.

Milei destaca ainda que a inflação, que parecia entrar num processo irreversível de hiperinflação, desacelerou, caindo cinco pontos no primeiro mês do ano (para 20,6%).

A maioria das previsões privadas antecipa que a tendência continuará descendente, com uma inflação que rondará os 15% em fevereiro.

Mas por trás disso, o custo humano dessas melhorias econômicas tem sido enorme.

Segundo o Observatório da Dívida Social, entre dezembro e janeiro a pobreza saltou, passando de 49,5% para 57,4%, valor próximo ao da pior crise que a Argentina viveu até agora, a de 2001/2002, quando houve um valor recorde de 65,5% da população na pobreza.

E, embora a queda da inflação gere expectativas, a dura realidade é que a principal razão pela qual os preços caem é que as pessoas já não têm dinheiro suficiente para gastar.

“Houve queda no consumo no mercado interno. As vendas no varejo caíram 26,8% no mês de janeiro, segundo a Confederação Argentina de Médias Empresas (CAME) e continuam caindo em fevereiro”, disse Damián Di Pace, diretor da consultoria econômica Focus Market, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

“E o consumo de massa caiu 18,5%, então o que vemos é uma queda na atividade.”

Ou seja: um aprofundamento da recessão que a Argentina já sofria, ou melhor, da “estagflação” – como explicou o próprio Milei – já que combina o estancamento econômico com uma inflação astronômica, o pior cenário.

Esse processo levou o FMI a reduzir drasticamente as suas projecções do PIB para a Argentina.

Enquanto em outubro havia prognóstico de um crescimento 2,8%, no final de janeiro essa expectativa foi mudada para algo negativo, estimando que, com as novas medidas anunciadas por Milei, a economia argentina vai contrair 2,8% neste ano.

O tsunami Milei

Os argentinos, de todas as camadas sociais, não esquecerão facilmente esses primeiros dois meses de governo de Milei.

Por um lado, os seus salários sofreram uma queda acentuada do poder de compra, devido à desvalorização e aceleração da inflação, que ultrapassou os 50% acumulados entre dezembro e janeiro (a inflação alimentar foi ainda maior).

Mas, ao mesmo tempo, os seus bolsos sofreram – e continuam sofrendo – um verdadeiro bombardeio devido à “honestidade de preços” que tem levado tanto a produtos como a serviços – que durante os anos do governo Kirchner foram “pisados”, devido à intervenção do Estado – de repente a se libertarem.

Devido à eliminação dos subsídios, o transporte público aumentou mais de 200% na região mais populosa do país e a tarifa de eletricidade subiu entre 65% e 150% (dependendo dos níveis de rendimento).

As empresas privadas de saúde, das quais dependem milhões de argentinos, aumentaram suas taxas em mais de 100% depois que o novo governo desregulamentou o setor.

“Os aumentos foram insanos. É a primeira vez na minha vida que não consigo pagar o plano de saúde”, disse à BBC News Mundo Andrés, um consultor privado de 60 anos que prefere não revelar o sobrenome.

“Vou ter que pedir empréstimo no banco para pagar porque tenho um problema crônico de saúde e não posso mudar meu plano, sou refém do sistema privado”, afirma.

“Espero que seja apenas por alguns meses, até que a economia melhore.”

Aqueles no meio

O receio é que muitas pessoas da classe média que já não podem pagar cuidados de saúde privados comecem a recorrer aos cuidados públicos, que já estão subfinanciados e sobrelotados.

Algo semelhante poderia acontecer com a educação. As aulas começam em março, depois das férias de verão, e muitas famílias terão de fazer as contas para ver se conseguem pagar as escolas privadas dos seus filhos, que anunciaram aumentos significativos depois de o governo Milei ter permitido que elas definam o valor das suas mensalidades “sem limites”.

O presidente indicou que está trabalhando em “um mecanismo de assistência” para resolver esse problema (“se ??a renda cai e você tem que mudar as crianças na escola, é traumatizante para pais e filhos”, disse ele em entrevista à Rádio La Red).

Mas ainda é cedo para saber se essa possível ajuda poderá aliviar os efeitos do ajuste econômico na classe média, a mais afetada juntamente com os aposentados.

É o que mostram os números do Observatório da Dívida Social, que indicam que enquanto nas famílias mais humildes, que recebem assistência social, a pobreza aumentou 9 pontos desde o terceiro trimestre de 2023, o maior aumento ocorreu entre as famílias que não se qualificam para receber ajuda do Estado, onde a pobreza saltou de 27% para 44% (17 pontos).

Esse aumento pode ser observado nos refeitórios sociais, onde, segundo movimentos sociais, o número de pessoas que frequentam diariamente aumentou pelo menos 50% desde dezembro.

“Me ajuda muito levar um prato de comida para que meus filhos fiquem mais saciados enquanto minha esposa cozinha e aguentem um pouco até a hora do lanche”, disse Daniel Barreto, pedreiro que frequenta o refeitório Las Hormiguitas Viajeras, no município. de San Martin, ao norte da província de Buenos Aires.

“Infelizmente, o dinheiro é inútil e tudo é dinheiro”, disse à agência AFP.

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) mostram porque “o dinheiro não serve para nada”: hoje o salário mínimo argentino representa menos de um terço do preço da cesta básica, o conjunto de bens e serviços que um casal com dois filhos precisa para não ficar na miséria.

E isso não inclui o aluguel, uma das maiores despesas de muitas famílias que não possuem casa própria.

O governo garante que está cuidando dos mais necessitados.

Embora tenha recebido muitas críticas pela decisão de deixar de enviar alimentos para restaurantes e lanchonetes populares, ao realizar uma auditoria que busca afastar organizações intermediárias que acusa de clientelismo, o governo destaca que aumentou a ajuda direta, duplicando a Bolsa Universal por Filho e aumento do cartão alimentação em 50%.

Em fevereiro, o Ministério do Capital Humano assinou também acordos de assistência alimentar com igrejas evangélicas e a associação católica Cáritas, num total de US$ 550 mil (cerca de R$ 2,7 milhões).

Mas neste momento não existem medidas para aliviar a situação das camadas médias e dos idosos, que mais viram os seus rendimentos liquefeitos.

O pior ainda está por vir

Em meio à dor que suas medidas ainda causam, o próprio Milei alertou que “o momento mais difícil será entre março e abril”.

No entanto, também disse que depois haverá uma recuperação em forma de V: “A partir daí você atingiu o fundo do poço e começou a se recuperar”, previu em diálogo com a Rádio Rivadavia.

“As estimativas do FMI dizem que podemos abrir as ações no meio do ano”, explicou, referindo-se ao levantamento das restrições de acesso a dólares que foram impostas anos atrás na Argentina devido à falta de reservas do Banco Central (que hoje permanecem no vermelho, embora estejam melhorando e aumentem em abril graças às exportações do campo).

“Quando você avança com as ações, a economia avança”, previu o presidente.

Nem todos concordam com essa previsão otimista. Mas mesmo aqueles que têm uma visão positiva se perguntam duas coisas.

De quanto será a redução de empregos e quantas empresas terão de fechar em consequência desse período de grave estagflação? Um dos poucos índices “positivos” da Argentina é a sua baixa taxa de desemprego, que ronda os 6%.

E mais: quanto tempo durará a tolerância das pessoas a essa realidade sem precedentes?

Contas públicas no azul e pobreza: os dois lados do ajuste radical de Milei na Argentina

Na semana passada, a Argentina registrou dois marcos: pela primeira vez em mais de uma década, o Ministério da Economia anunciou que havia um excedente fiscal. Ou seja, arrecadou mais do que se gastou, algo que poucas vezes aconteceu no país sul-americano.

Pouco depois, o prestigiado Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA) divulgou um número que deixou muitos indiferentes: estimou que a pobreza em janeiro ultrapassava os 57%, o pior índice desde a crise de 2001/2002.

Esses dados refletem as duas faces da Argentina do presidente Javier Milei, o economista libertário que assumiu o cargo em dezembro passado prometendo melhorar a economia do país, que há décadas entra e sai da crise, e reduzir a inflação, que hoje é a mais alta do mundo.

Em apenas dois meses Milei conseguiu cumprir a meta de “déficit zero”, ou seja, deixar de ter as contas no vermelho. E os mercados mostram a sua satisfação.

Os títulos e as ações argentinas estão em alta, o dólar livre (ou “azul”) se estabilizou e o chamado “risco país” – índice que mostra a confiança na capacidade de um Estado pagar sua dívida – está no seu nível mais baixo dos últimos dois anos, o que pode ser interpretado como um sinal de que a direção macroeconómica está no caminho certo.

Mas o remédio que Milei aplicou para alcançar essas melhorias – um ajustamento sem precedentes – tem consequências graves numa população que já teve seis anos consecutivos de queda dos salários reais, com um salário mínimo que equivale a apenas US$ 160 (cerca de R$ 800), o segundo menor da região, atrás apenas da Venezuela.

Motosserra + liquidificador

Milei ficou famoso durante a campanha por brandir uma motosserra, símbolo de como planejava destruir os gastos públicos, motivo que tem levado o país a um déficit constante (112 dos últimos 122 anos).

Segundo o economista, as soluções que os diferentes governos têm aplicado até agora – emitindo mais notas ou pedindo dinheiro para cobrir essas despesas – levaram o país a ter uma inflação que ultrapassa os 250% anuais e a ser o principal devedor mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em vez dessas receitas, esse outsider, que entrou na arena política há menos de três anos, propôs uma solução mais drástica: cortar a origem do problema – os gastos excessivos – para atingir o “déficit zero”, que definiu como o seu principal objetivo de governo.

E em novembro passado, no segundo turno eleitoral, quase 56% dos argentinos apoiaram a ideia, que supostamente – segundo Milei – iria focar no corte de despesas da “casta”, como ele chama a classe política tradicional.

Mas poucos imaginavam quão rápidas e profundas seriam as mudanças que o novo presidente traria. Nem o quanto isso os afetaria diretamente.

No dia em que tomou posse, 10 de dezembro, Milei declarou que seu objetivo era cortar 5 pontos do Produto Interno Bruto (PIB), um ajuste raramente visto na história, não só deste país, mas do mundo.

Ele não havia detalhado que pretendia aplicar esse mega corte em menos de dois meses, algo também inédito.

Para atingir o seu objetivo, não só ligou a famosa motosserra, reduzindo ministérios e secretarias pela metade, paralisando novas obras públicas, cortando subsídios e despesas com publicidade institucional e eliminando transferências discricionárias para as províncias (o que tem gerado uma briga com os governadores desses distritos).

Ele também “ligou o liquidificador”, que realmente tem sido sua principal ferramenta de ajuste.

Ele emitiu um decreto para que este ano seja aplicado o mesmo orçamento que em 2023, fazendo com que as rubricas orçamentárias permanecessem abaixo da taxa de inflação (o que, na verdade, as reduziu fortemente).

Mas a sua medida mais contundente foi retirar metade do valor do peso face ao dólar, o que fez com que o poder de compra dos salários e das pensões entrasse em colapso – ou fossem passados por um “liquidificador”.

Segundo o economista Martín Polo, da consultoria Cohen Aliados Financieros, as medidas de Milei reduziram em mais de 38% as aposentadorias e pensões, principal despesa do Estado.

Os salários públicos também foram reduzidos em 27%, os subsídios econômicos (principalmente para energia) em 64% e as obras públicas em 86%. Tudo de uma vez.

Além disso, a forte desvalorização acelerou ainda mais a inflação, que dobrou entre novembro e dezembro, atingindo 25,5% mensais no final do ano.

Queda do consumo

O resultado dessas medidas foi tão impressionante quanto dramático.

Por um lado, o governo comemora ter alcançado em tempo recorde o seu objetivo de “déficit zero”, destacando que é a primeira vez desde 2012 que o setor público não reporta perdas.

Pelo contrário, em janeiro o governo teve um excedente – ou superávit – de mais de US$ 580 milhões.

Milei destaca ainda que a inflação, que parecia entrar num processo irreversível de hiperinflação, desacelerou, caindo cinco pontos no primeiro mês do ano (para 20,6%).

A maioria das previsões privadas antecipa que a tendência continuará descendente, com uma inflação que rondará os 15% em fevereiro.

Mas por trás disso, o custo humano dessas melhorias econômicas tem sido enorme.

Segundo o Observatório da Dívida Social, entre dezembro e janeiro a pobreza saltou, passando de 49,5% para 57,4%, valor próximo ao da pior crise que a Argentina viveu até agora, a de 2001/2002, quando houve um valor recorde de 65,5% da população na pobreza.

E, embora a queda da inflação gere expectativas, a dura realidade é que a principal razão pela qual os preços caem é que as pessoas já não têm dinheiro suficiente para gastar.

“Houve queda no consumo no mercado interno. As vendas no varejo caíram 26,8% no mês de janeiro, segundo a Confederação Argentina de Médias Empresas (CAME) e continuam caindo em fevereiro”, disse Damián Di Pace, diretor da consultoria econômica Focus Market, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

“E o consumo de massa caiu 18,5%, então o que vemos é uma queda na atividade.”

Ou seja: um aprofundamento da recessão que a Argentina já sofria, ou melhor, da “estagflação” – como explicou o próprio Milei – já que combina o estancamento econômico com uma inflação astronômica, o pior cenário.

Esse processo levou o FMI a reduzir drasticamente as suas projecções do PIB para a Argentina.

Enquanto em outubro havia prognóstico de um crescimento 2,8%, no final de janeiro essa expectativa foi mudada para algo negativo, estimando que, com as novas medidas anunciadas por Milei, a economia argentina vai contrair 2,8% neste ano.

O tsunami Milei

Os argentinos, de todas as camadas sociais, não esquecerão facilmente esses primeiros dois meses de governo de Milei.

Por um lado, os seus salários sofreram uma queda acentuada do poder de compra, devido à desvalorização e aceleração da inflação, que ultrapassou os 50% acumulados entre dezembro e janeiro (a inflação alimentar foi ainda maior).

Mas, ao mesmo tempo, os seus bolsos sofreram – e continuam sofrendo – um verdadeiro bombardeio devido à “honestidade de preços” que tem levado tanto a produtos como a serviços – que durante os anos do governo Kirchner foram “pisados”, devido à intervenção do Estado – de repente a se libertarem.

Devido à eliminação dos subsídios, o transporte público aumentou mais de 200% na região mais populosa do país e a tarifa de eletricidade subiu entre 65% e 150% (dependendo dos níveis de rendimento).

As empresas privadas de saúde, das quais dependem milhões de argentinos, aumentaram suas taxas em mais de 100% depois que o novo governo desregulamentou o setor.

“Os aumentos foram insanos. É a primeira vez na minha vida que não consigo pagar o plano de saúde”, disse à BBC News Mundo Andrés, um consultor privado de 60 anos que prefere não revelar o sobrenome.

“Vou ter que pedir empréstimo no banco para pagar porque tenho um problema crônico de saúde e não posso mudar meu plano, sou refém do sistema privado”, afirma.

“Espero que seja apenas por alguns meses, até que a economia melhore.”

Aqueles no meio

O receio é que muitas pessoas da classe média que já não podem pagar cuidados de saúde privados comecem a recorrer aos cuidados públicos, que já estão subfinanciados e sobrelotados.

Algo semelhante poderia acontecer com a educação. As aulas começam em março, depois das férias de verão, e muitas famílias terão de fazer as contas para ver se conseguem pagar as escolas privadas dos seus filhos, que anunciaram aumentos significativos depois de o governo Milei ter permitido que elas definam o valor das suas mensalidades “sem limites”.

O presidente indicou que está trabalhando em “um mecanismo de assistência” para resolver esse problema (“se ??a renda cai e você tem que mudar as crianças na escola, é traumatizante para pais e filhos”, disse ele em entrevista à Rádio La Red).

Mas ainda é cedo para saber se essa possível ajuda poderá aliviar os efeitos do ajuste econômico na classe média, a mais afetada juntamente com os aposentados.

É o que mostram os números do Observatório da Dívida Social, que indicam que enquanto nas famílias mais humildes, que recebem assistência social, a pobreza aumentou 9 pontos desde o terceiro trimestre de 2023, o maior aumento ocorreu entre as famílias que não se qualificam para receber ajuda do Estado, onde a pobreza saltou de 27% para 44% (17 pontos).

Esse aumento pode ser observado nos refeitórios sociais, onde, segundo movimentos sociais, o número de pessoas que frequentam diariamente aumentou pelo menos 50% desde dezembro.

“Me ajuda muito levar um prato de comida para que meus filhos fiquem mais saciados enquanto minha esposa cozinha e aguentem um pouco até a hora do lanche”, disse Daniel Barreto, pedreiro que frequenta o refeitório Las Hormiguitas Viajeras, no município. de San Martin, ao norte da província de Buenos Aires.

“Infelizmente, o dinheiro é inútil e tudo é dinheiro”, disse à agência AFP.

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) mostram porque “o dinheiro não serve para nada”: hoje o salário mínimo argentino representa menos de um terço do preço da cesta básica, o conjunto de bens e serviços que um casal com dois filhos precisa para não ficar na miséria.

E isso não inclui o aluguel, uma das maiores despesas de muitas famílias que não possuem casa própria.

O governo garante que está cuidando dos mais necessitados.

Embora tenha recebido muitas críticas pela decisão de deixar de enviar alimentos para restaurantes e lanchonetes populares, ao realizar uma auditoria que busca afastar organizações intermediárias que acusa de clientelismo, o governo destaca que aumentou a ajuda direta, duplicando a Bolsa Universal por Filho e aumento do cartão alimentação em 50%.

Em fevereiro, o Ministério do Capital Humano assinou também acordos de assistência alimentar com igrejas evangélicas e a associação católica Cáritas, num total de US$ 550 mil (cerca de R$ 2,7 milhões).

Mas neste momento não existem medidas para aliviar a situação das camadas médias e dos idosos, que mais viram os seus rendimentos liquefeitos.

O pior ainda está por vir

Em meio à dor que suas medidas ainda causam, o próprio Milei alertou que “o momento mais difícil será entre março e abril”.

No entanto, também disse que depois haverá uma recuperação em forma de V: “A partir daí você atingiu o fundo do poço e começou a se recuperar”, previu em diálogo com a Rádio Rivadavia.

“As estimativas do FMI dizem que podemos abrir as ações no meio do ano”, explicou, referindo-se ao levantamento das restrições de acesso a dólares que foram impostas anos atrás na Argentina devido à falta de reservas do Banco Central (que hoje permanecem no vermelho, embora estejam melhorando e aumentem em abril graças às exportações do campo).

“Quando você avança com as ações, a economia avança”, previu o presidente.

Nem todos concordam com essa previsão otimista. Mas mesmo aqueles que têm uma visão positiva se perguntam duas coisas.

De quanto será a redução de empregos e quantas empresas terão de fechar em consequência desse período de grave estagflação? Um dos poucos índices “positivos” da Argentina é a sua baixa taxa de desemprego, que ronda os 6%.

E mais: quanto tempo durará a tolerância das pessoas a essa realidade sem precedentes?