A estabilidade no emprego e a chance de seguir uma carreira no serviço público com boa remuneração move milhões de brasileiros que se preparam para a retomada dos concursos pelo governo federal. O ano de 2024 começa com 9.116 novas vagas autorizadas, o maior número de postos abertos no Executivo desde 2009, quando a União selecionou 20,4 mil funcionários públicos, no segundo mandato do presidente Lula.

Além do Concurso Unificado: Nove seleções federais reúnem mais 12.320 vagas. Veja como se inscrever Concurso Nacional Unificado: Primeiro dia de inscrições vai encerrar com mais de 200 mil candidatos

Agora, cerca de 6,6 mil das novas posições serão preenchidas pelos aprovados no Concurso Nacional Unificado (CNU), que abriu inscrições na semana passada e aplica provas em 5 de maio. Mas a volta dos concursos após um longo período de poucas oportunidades ocorre num ambiente diferente do de 15 anos atrás.

Mudaram os conteúdos a serem avaliados e a dinâmica das provas, além da ampliação do acesso com a realização de provas em 220 cidades e taxas de inscrição acessíveis (R$ 90 para cargos de ensino superior e R$ 60 para os de ensino médio, com isenções sociais), o que acirra a concorrência. Essas inovações se tornaram o combustível de uma repaginação que o setor de cursos preparatórios foi obrigado a fazer em muito pouco tempo.

O levantamento de vagas, feito pelo GLOBO com base em dados do Ministério da Gestão e Inovação (MGI), não considera estatais como Petrobras e bancos públicos, que engordam a temporada de recrutamentos. A petroleira faz concurso para 6,4 mil vagas. A Caixa Econômica Federal vai selecionar 4 mil para as áreas de tecnologia e bancária.

Antes da reforma

Nesse intervalo de 15 anos, o menor número de abertura de vagas no setor público federal foi em 2019, no governo Bolsonaro, com 309 cargos autorizados para órgãos e entidades ligados à União. A gestão anterior chegou a propor uma Reforma Administrativa para conter os gastos com pessoal, mas a proposta não avançou. Os selecionados agora serão contratados antes de uma reforma alternativa, estudada pelo governo para otimizar a gestão pública. Como mostrou O GLOBO, estão na mesa propostas como redução do número de carreiras e salários iniciais mais baixos.

Com a autorização, os órgãos têm um cronograma para lançar edital e realizar as provas neste ano. A efetivação do servidor pode ficar para os anos seguintes, respeitando prazo legal. Só para as vagas das instituições e ministérios que aderiram ao CNU, o governo espera perto de 3 milhões de candidatos em todo o Brasil, com provas aplicadas de norte a sul do país. A lista de municípios vai de Pelotas (RS) a Breves, na Ilha do Marajó (PA). Os salários iniciais variam de R$ 4 mil a quase R$ 23 mil, e os servidores começam a ser convocados já em agosto.

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Para Antonio Batista, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (FURG) e especialista em administração pública, é natural que as mudanças provoquem um forte aumento da demanda nos cursos preparatórios. Mas, para ele, a adaptação aos conteúdos representa o maior desafio já enfrentado por essa indústria de concursos:

— Como as provas serão diferentes daquilo que se esperava, os diretores de cursinhos agora correm atrás de adequar o que faziam. O cenário discutido entre eles para serem atraentes aos alunos é sempre em caráter de urgência.

Aos 23 anos, Thiago Maia se prepara para o CNU pagando dois cursos, um presencial, em Brasília, e outro on-line.

— Vi nessa quantidade de vagas uma oportunidade boa de conseguir a estabilidade e a tranquilidade que já almejava — diz o jovem, que tentará vagas ligadas à saúde.

Assim como ele, em Brasília, onde vão trabalhar 30% dos aprovados no CNU, os concurseiros já estão em campo, preparando-se inclusive para seleções para as quais ainda não há datas marcadas, como as do Judiciário. Uma das mais aguardadas é a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para a qual Luísa Veras, de 22 anos, estuda. Enquanto espera, decidiu também fazer o CNU:

— Estou animada com tantas vagas e oportunidades. Eu me surpreendi que áreas como Direitos Humanos e História do Brasil estejam na programação. Todos sairão do mesmo ponto de partida.

Partindo do zero

Essa é também a avaliação nos cursos preparatórios. Marcos Britto, diretor pedagógico do Degrau Concursos, avalia que o CNU tem atraído tanto os concurseiros profissionais (que estão em preparação contínua e vivem fazendo provas), quanto trabalhadores que nunca tinham pensado em seguir carreira pública, mas querem aproveitar a oportunidade.

Para Britto, as disciplinas novas fazem com que diferentes perfis de concorrentes saiam praticamente em condições iguais, já que todos precisarão começar do zero a revisão do conteúdo. A vantagem dos mais experientes é apenas já terem desenvolvido disciplina para estudar, diz:

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— A procura é de um público bem heterogêneo. Notamos aumento de 40% de alunos em comparação com janeiro de 2023. Já temos seis turmas presenciais para o CNU e estamos calculando abrir mais dez até o fim do período de inscrições (em 9 de fevereiro).

Professor de comportamento organizacional da FGV Ebape, Marco Túlio Zanini destaca que é preciso ter condições mínimas de preparação, como tempo disponível para estudar e renda para se manter:

— Quando um jovem de 30 anos abre mão da carreira no mercado para fazer concurso, isso tem de levantar um alerta. Nossa economia continua baseada em commodities e carente de indústrias de maior valor agregado que possam gerar vagas com salários mais altos.

Aryana Aragão, de 42 anos, trabalha numa agência de comunicação, mas se preocupa com empregabilidade na maturidade. Ela decidiu dedicar as noites, após o trabalho, aos estudos para o CNU em uma biblioteca pública de Brasília.

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— Quero mais estabilidade para o futuro. Quando estamos envelhecendo, pensamos mais nisso. Percebo que o mercado, na minha área, dá preferência aos mais jovens. Ao contrário de concursos anteriores, esse tem número maior de vagas na minha área — diz.

Além do Concurso Unificado

Além do Concurso Nacional Unificado outras nove seleções reúnem ainda mais chances:

Banco Central – Vai realizar um concurso para 300 vagas de analista: 150 (50 imediatas) na área de Economia e Finanças e 150 (50 imediatas) em Tecnologia da Informação. ANTT – No total, são oferecidas 220 vagas, sendo 50 imediatas e 170 destinadas à formação de um cadastro de reserva, todas voltadas para a carreira de especialista em regulação de transportes terrestres. Petrobras – Foram reabertas as inscrições para o concurso público que pretende preencher 6.412 vagas de nível médio e técnico, sendo 916 oportunidades de início imediato e 5.496 para a formação de um cadastro de reserva. Anvisa – Serão contratados 50 especialistas em Regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa, formados em graduações de diversas áreas. CVM – São 20 chances para o cargo de inspetor e 40 para analista. A remuneração inicial será de R$ 20.924,80. Fiocruz – São oferecidas 300 vagas de nível superior, distribuídas para os cargos de tecnologista em saúde pública, analista de gestão em saúde e pesquisador em saúde pública. Casa da Moeda – O concurso tem 68 vagas de níveis médio e superior, com salários que variam entre R$ 3.749,70 e R$ 9.126,73. Inmetro – Estão disponíveis cem vagas imediatas nos cargos de pesquisador – tecnologista em metrologia e qualidade (60 chances) e analista executivo em metrologia e qualidade (40 postos). O processo seletivo vai também formar um cadastro de reserva, com 760 oportunidades (370 para pesquisador e 390 para analista). Caixa Econômica Federal – Ainda sem edital, o concurso foi confirmado com mais de quatro mil vagas, incluindo cadastro reserva. De nível médio, serão duas mil oportunidades para o cargo de técnico bancário novo e duas mil chances para técnico bancário novo para a área de Tecnologia da Informação (TI). Além disso, de nível superior, haverá 28 vagas para médicos do trabalho e 22 para engenheiros de segurança do trabalho.

Custo de R$ 2 bi por ano

Apenas as vagas abertas pelo CNU terão custo anual de R$ 2 bilhões por ano, de acordo com o governo.

— O ideal seria extrapolar esse impacto para anos à frente, mas isso só será possível com o marco fiscal de médio prazo (que consta no novo arcabouço fiscal) implementado, bem desenhado e calibrado — diz Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.

Para Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, preocupa novos concursos serem feitos antes de uma reforma que revise a velocidade de progressão nas carreiras públicas, assim como os salários inicial e final:

— É amplamente conhecido e documentado que o salário de entrada é elevado e a progressão é desproporcionalmente calibrada, o que tem substancial impacto no equilíbrio fiscal.

Carla Beni, economista e professora de política fiscal da FGV, ressalta que faltam servidores em vários órgãos, prejudicando serviços públicos:

— Há uma ideia rasa e superficial sobre Reforma Administrativa, de que é para cortar cargos e salários. É para tornar o Estado mais eficiente.

O plano no governo é contratar mais nos próximos anos.

— As autorizações de concurso para os próximos períodos ainda estão em discussão. Nossa intenção é tentar (novas) autorizações para algo como 9 mil ou 10 mil novas vagas até 2026 — diz o secretário de Gestão de Pessoas do MGI, José Celso Cardoso.

*Estagiária sob supervisão de Janaina Lage

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