Estava escrito nas estrelas que o Congresso derrubaria o veto integral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, que empregam nove milhões de pessoas. O que não estava escrito era o completo isolamento do governo, que obteve apenas 13 votos no Senado, contra 60 a favor da derrubada, e 78 na Câmara, contra 378 deputados a favor da desoneração. Com a promulgação do texto, as empresas desses setores poderão substituir a contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota sobre a receita bruta do empreendimento, que varia de 1% a 4,5%, de acordo com o setor e o serviço prestado.

A desoneração da folha de pagamento é uma herança do governo Dilma Rousseff, que adotou essa medida como parte de uma estratégia anticíclica, que resultaria na sua “nova matriz econômica”. Em vigor desde 2011, será prorrogada por mais quatro anos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, porém, que a questão será judicializada pelo governo, que considera a proposta inconstitucional.

Na prorrogação, mais um jabuti subiu na árvore das medidas com objetivos eleitorais: o texto também reduz — de 20% para 8% — a contribuição previdenciária patronal paga por cerca de três mil pequenos municípios sobre o salário de funcionários. A regra valerá para as cidades com menos de 142.633 habitantes, que não recebem a cota reserva do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

O projeto fora aprovado entre agosto e outubro, por Câmara e Senado, respectivamente. Por sugestão de Haddad, o presidente Lula vetou integralmente a desoneração, quando havia uma expectativa de que somente a inclusão dos municípios fosse vetada. A reação no Congresso foi imediata, bem como nos meios empresariais, que atuaram fortemente para derrubar o veto.

Serão beneficiados os setores industriais de couro, calçados, confecções, têxteis, proteína animal, máquinas e equipamentos; serviços, tecnologia de informação, comunicação e call center; transportes, rodoviário de cargas e passageiros e metroviários; e também construção civil e pesada.

A derrota do governo atinge em cheio o deficit zero como meta fiscal do próximo ano. Haddad tentava negociar uma alternativa à desoneração no bojo da Reforma Tributária, mas não contou com nenhum apoio nos meios empresariais nem receptividade no Congresso. A lei fragiliza ainda mais a arrecadação prevista para o próximo ano e, em especial, a Reforma Tributária, que também já tem vários jabutis. Subiu no telhado, porque o tempo corre contra sua aprovação pelo Congresso ainda neste ano. De certa forma, porém, a decisão do Congresso servirá de justificativa para o governo responsabilizar o Legislativo, caso a meta de deficit zero não seja alcançada.

O Congresso também decidiu derrubar o veto de Lula a um dispositivo do arcabouço fiscal que impede o governo de retirar despesas do cálculo para atingir a meta fiscal, o que fragilizaria as novas regras fiscais. A derrota foi ainda mais acachapante: na Câmara, 410 votos pela derrubada e 38 pela manutenção; no Senado, 63 votos para derrubar o veto e um para mantê-lo. O governo jogou a toalha e fez um acordo em torno da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Com o veto do dispositivo, o governo excluiria as despesas primárias da apuração do resultado primário dos orçamentos fiscal e da seguridade social. Agora, todos os gastos do governo devem entrar nessa conta. Ou seja, nenhuma despesa pode ser desconsiderada a fim de zerar o deficit. No mercado financeiro, a decisão foi comemorada, porque o veto era considerado uma “contabilidade criativa”.

Nos bastidores, entretanto, o governo fez acordo para que a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2024 excluísse da meta fiscal R$ 5 bilhões das estatais federais quando investirem em obras do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Executivo também aceitou abrir mão de outros eventuais descontos. Em contrapartida, os parlamentares mantiveram o veto a um trecho que limitava as possibilidades de o governo contingenciar investimentos. Na Câmara, foram 360 votos para manter o veto e 72 para derrubá-lo. Com isso, o veto nem precisou ser apreciado pelo Senado.

A Constituição prevê o contingenciamento das emendas parlamentares impositivas, ou seja, de execução obrigatória — individuais e de bancada — proporcional às despesas discricionárias.

O relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-BA), propôs que emendas não obrigatórias, como as de comissão, também tenham que respeitar a mesma proporção de contingenciamento. A LDO, porém, é uma lei anual, não tem a força da lei complementar do arcabouço.

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