Com o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à desoneração da folha de pagamento, os setores afetados avaliam que terão de fazer demissões e congelar investimentos, caso a decisão não seja derrubada no Congresso. A medida é voltada para os 17 segmentos que mais empregam no país e que são responsáveis por 9 milhões de empregos.

Enquanto o setor produtivo aguarda a decisão dos parlamentares — deputados e senadores já se articulam para derrubar o veto —, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou ontem que vai apresentar ao presidente Lula uma medida para substituir a desoneração após a volta da Conferência do Clima da ONU (COP 28), em Dubai.

A previsão de retorno é dia 5 de dezembro. Ele afirmou, porém, que a solução será via Congresso e que só deverá ser apreciada após a aprovação da Reforma Tributária e da medida provisória (MP) que trata da subvenção do ICMS:

— Vamos apresentar medidas de compensação ao presidente e ao Congresso, e explicar as razões do veto. Primeiro, vamos aguardar o Congresso apreciar a Reforma Tributária e o fim da subvenção ao ICMS nos estados. Vamos respeitar o tempo do Congresso para ir digerindo essas mudanças sobre o gasto tributário.

Haddad disse que o Congresso tem autonomia para decidir, mas defendeu o veto da desoneração junto ao presidente citando preocupação com as contas públicas.

A desoneração da folha substitui a contribuição previdenciária patronal de empresas que são intensivas em mão de obra, de 20%, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Essa troca reduz custos com contratações para atividades como têxtil, calçados, construção civil, call center, comunicação, fabricação de veículos, tecnologia e transporte. Se o veto do presidente não for derrubado, a medida terminará no fim deste ano.

Aumento de custos

Para o diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), o veto caiu como uma “ducha de água fria” no setor. Ele diz que haverá demissões e postergação de investimentos:

— A decisão joga contra o emprego. A indústria têxtil e de confecção emprega mais de 1,3 milhão diretamente. Somando os indiretos, são 4 milhões, e isso vai prejudicar a competitividade do setor, que enfrenta concorrência internacional enorme. É uma ducha de água fria.

A presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), Vivien Mello Suruagy, diz que 400 mil postos podem ser fechados no setor em dois anos:

— Os custos com a folha de pagamento iriam triplicar, e as empresas não teriam como absorver esse aumento.

Ricardo Path, da União Geral dos Trabalhadores (UGT), teme impacto no emprego próximo do Natal:

— A decisão do presidente mostrou insensibilidade com os trabalhadores, os mais vulneráveis, o primeiro emprego.

Estudo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostra que, de 2018 a 2022, os setores que permaneceram com a folha desonerada tiveram crescimento de empregos da ordem de 15,5%, enquanto os que foram reonerados cresceram apenas 6,8% no período.

A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) estima uma carga tributária extra de R$ 720 milhões por ano, com impacto na produção e no emprego.

— O impacto, imediato, é de uma perda de 20 mil empregos já no primeiro ano. Taxar a geração de empregos vai contra a desejada política de reindustrialização — afirma o presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira.

O presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso Dias Cardoso, lembra que o setor caiu 10% em 2022 e mais 7% este ano, e ainda assim o saldo de empregos no período é positivo:

— Depois de 12 anos, se eu voltar a recolher 20% sobre a folha, vou ter demissões em torno de 10%. Estamos falando de 40 mil empregos diretos. Não é questão de chantagem, o setor teve forte queda no faturamento e não demitiu.

O sociólogo José Pastore, especialista em mercado de trabalho, ressalta que esse aumento de custos para as empresas, além de refletir no emprego, acabará impactando a renda, a receita do governo e assim por diante.

Em sua opinião, o ideal seria fazer uma reforma completa, mas, enquanto isso não ocorre, a desoneração é necessária.

— Para contratar um trabalhador, tributos somam 102% da folha, o que é uma barbaridade — diz Pastore, lembrando que a tributação excessiva é uma das explicações para a informalidade elevada.

Um manifesto assinado por 23 entidades — entre elas, Cbic (construção civil), Abert e Abratel (rádio e televisão), Associação Nacional de Jornais (ANJ), ABPA (proteína animal) e Brasscom (tecnologia da informação) — defende a derrubada do veto e afirma que, além de afastar o risco de fechamento de milhares de postos de trabalho, prorrogar a desoneração reduz o risco do aumento de preços de diversos produtos e serviços, como alimentos e passagens de ônibus, “o que causaria aumento da inflação e prejuízos a todos e, em especial, aos mais carentes”.

“A constitucionalidade da prorrogação da folha de pagamentos é inequívoca, conforme pareceres das consultorias da Câmara e do Senado e voto do relator da matéria no STF”, acrescenta o texto.

Congresso vê derrubada

Ontem, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu a desoneração e lembrou que vetos presidenciais ao tema já foram derrubados em outros governos:

— Esse episódio do veto já aconteceu antes. Já foi objeto de veto em governo anterior e o Congresso derrubou. Obviamente, o veto do presidente Lula vai ter um caminho próprio. Mas o que eu posso afirmar é que o sentimento do Congresso é que a desoneração é algo positivo para o país.

Pacheco disse que a sessão para analisar o veto será marcada ainda neste ano:

— Vamos ouvir o ministro da Fazenda e tomar a decisão em uma sessão do Congresso que vai acontecer ainda este ano.

Parlamentares se movimentam para derrubar o veto. Em entrevista à GloboNews, o autor do projeto de prorrogação da desoneração, senador Efraim Filho (União-PB), lembrou que o projeto foi aprovado no Senado sem a necessidade de votação nominal e que o placar na Câmara teve apenas 17 votos contrários:

— Não pode ser classificado como governo x oposição. É um jogo de ganha-ganha. O respaldo na sociedade é de ambos os lados, de quem empreende e de quem trabalha.

Para derrubar um veto presidencial, é necessária uma sessão conjunta de deputados e senadores.

— Temos que derrubar ou pagaremos caro por esse arrocho. Recessão e desemprego à vista em 2024 — disse o líder do PL, senador Carlos Portinho (RJ).

Na Câmara, aliados do presidente Arthur Lira (PP-AL) também acreditam na derrubada.

— A tendência é que, se for colocada, seja derrubada — disse o líder do PP, Doutor Luizinho (RJ).

A deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora do projeto na Câmara, lembrou o prazo apertado para derrubar o veto:

— Temos pressa, muitas famílias estão esperando isso para terem a certeza de boas festas do fim de ano.

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