Produção mundial baixou para segurar estoques
Um dos produtos mais importantes da história da humanidade também não deixou de sentir os impactos do coronavírus. O custo do petróleo, que havia sofrido quedas antes da propagação do vírus, despencou com a pandemia e a consequente retração da economia e do consumo de combustíveis. Os reflexos foram tão intensos que, pela primeira vez na história, no dia 20 de abril, o preço do barril no mercado futuro (para maio) chegou ao patamar negativo, valendo inacreditáveis US$ -37,63 (WTI – referência para o mercado norte-americano).
O diretor da consultoria ES-Petro, Edson Silva, enfatiza que o preço do petróleo está diretamente relacionado com a oferta e a procura de seus produtos. O consultor recorda que o equilíbrio já estava afetado antes mesmo da pandemia. No começo de março, o custo do petróleo, que teve o barril caindo para perto de US$ 30 – naquela época, a maior queda desde a Guerra do Golfo, no início da década de 1990 -, gerava uma verdadeira interrogação nos agentes do setor. Na ocasião, a diminuição dos valores do petróleo fora desencadeada por uma disputa de preços entre Rússia e Arábia Saudita. “E com o vírus, o equilíbrio se perdeu totalmente, gerando excesso de produto em meio a uma interrupção abrupta e inesperada da demanda”, frisa Silva.
De acordo com o consultor, a capacidade mundial de estocagem de petróleo encontra-se no seu limite. Esse fator contribuiu para que o preço do barril chegasse a ficar negativo. Sobre as perspectivas, Silva brinca que se trata “da pergunta que vale R$ 1 milhão”. Ele reforça que ainda é uma incógnita o tempo que poderá perdurar o problema do coronavírus. “Eu arrisco dizer que o preço vai ficar baixo por um bom tempo, mas é um exercício de especulação”, comenta. Silva enfatiza que não há um mecanismo artificial para segurar a redução das cifras envolvidas com o petróleo, como, por exemplo, o circuit breaker da bolsa de valores, que interrompe os negócios quando a queda alcança -10%. “O único recurso que tem neste período de desequilíbrio entre oferta e procura, pelos produtores, é fechar as ‘torneiras’, o que vai refletir na oferta de petróleo”, aponta.
Em nota, a Petrobras afirma que adotou, desde o começo de abril, novas medidas necessárias para assegurar a sustentabilidade da companhia nesta que se configura “a pior crise da indústria do petróleo nos últimos 100 anos”. Essas ações envolvem redução da produção de petróleo, postergação de desembolso de caixa e diminuição de custos. A estatal está ajustando o processamento de suas refinarias, em linha com a demanda por combustíveis.
Para lidar com a contração da demanda global de petróleo – estimada em 25 a 30 milhões de barris por dia no segundo trimestre de 2020 – e de combustíveis, a estatal decidiu, inicialmente, reduzir a produção de óleo em abril, para 2,07 milhões de barris por dia, e o fator de utilização de suas refinarias de 79% para 60%, ao mesmo tempo em que reforçou a capacidade logística de exportação de petróleo cru, diesel e óleo combustível. Com a evolução da demanda pelos produtos se mostrando melhor do que o esperado, a companhia optou pelo retorno gradual para um patamar de produção média de óleo de 2,26 milhões de barris por dia em abril acompanhado de aumento do fator de utilização da capacidade do refino. Em março, a produção da Petrobras foi de 2,19 milhões de barris por dia.
Silva salienta que reduções da produção da Petrobras acarretarão também a diminuição do pagamento de royalties sobre o petróleo. Como o Rio Grande do Sul não é produtor, não será tão atingido. No entanto, existem algumas cidades gaúchas que recebem o recurso devido à logística envolvida no abastecimento, esse é o caso de Tramandaí, onde está localizada a monoboia em que navios movimentam o petróleo que chega na refinaria Alberto Pasqualini (Refap), de Canoas. Os quatro municípios que recebem o maior volume de royalties no Estado (Osório, Tramandaí, Imbé e Cidreira) angariaram em torno de R$ 87,5 milhões em 2018 com essa fonte de receita.
Queda da nafta aumenta competitividade de Triunfo
A petroquímica mundial possui duas principais matérias-primas, que, no final da cadeia, resultarão nas resinas utilizadas na fabricação dos produtos plásticos: o gás natural e a nafta. Esse último insumo, derivado do petróleo, é o utilizado pelo polo de Triunfo. Nos últimos anos, o gás vinha apresentando um custo mais interessante, mas essa redução do petróleo está sendo acompanhada pela nafta, o que implicará um diferencial positivo para o complexo gaúcho.
“O polo de Triunfo voltou a ficar competitivo”, ressalta o diretor da MaxiQuim Assessoria de Mercado, João Luiz Zuñeda. No ano passado, o consultor lembra que a nafta chegou a custar, em média, US$ 500 por tonelada – hoje, o preço está na faixa de US$ 120, com tendência de queda. O analista reforça que a rentabilidade das plantas à base nafta deverá se manter enquanto o preço do petróleo permanecer baixo, o que deve durar, pelo menos, até 2021.
Sobre a situação atual do petróleo, Zuñeda confirma que a capacidade de estoque está no seu limite. O produto está sendo armazenado em navios petroleiros e não apenas nas refinarias. “Está tudo cheio de petróleo”, frisa. O diretor da MaxiQuim destaca que as refinarias menos eficientes no planeta, que têm custos maiores para processar o óleo, estão parando as suas produções, assim como os poços estão reduzindo o máximo possível também. “Aconteceu o pior dos mundos, excesso de oferta e queda da demanda”, frisa Zuñeda. Ele adianta que o excesso de estoque, que nunca se verificou como neste momento, vai pressionar os preços do petróleo para baixo.
Petrobras já reduziu em mais de 50% valor da gasolina nas refinarias apenas neste ano
A queda do custo do petróleo e da demanda por combustíveis respingou nas refinarias da Petrobras. No dia seguinte (21 de abril) ao barril de petróleo ter atingido o patamar negativo, o valor da gasolina refinada pela estatal era de R$ 0,91 por litro, e o do diesel, R$ 1,45 o litro. O acumulado de 2020, naquele momento, registrava a redução de 52,3% no valor médio da gasolina; e 38% no preço do diesel.
O diretor da consultoria ES-Petro, Edson Silva, destaca que a queda de custos na refinaria não é acompanhada na mesma velocidade pelos postos de combustíveis, até porque os revendedores estão enfrentando dificuldades em manter a rentabilidade. Apesar do efeito retardado, ele enfatiza que o preço também está caindo para o consumidor final. Silva comenta que a média atual do custo da gasolina em Porto Alegre é a mais baixa desde outubro de 2017. O levantamento de preços feito pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) atesta as reduções na capital gaúcha. Entre o período de 29 de março a 4 de abril, o preço médio do litro da gasolina na cidade era de R$ 4,220, e, entre 19 a 25 de abril, era de R$ 3,908. Na média do Rio Grande do Sul, no mesmo período, os valores oscilaram de R$ 4,389 para R$ 4,031. Já o diesel no Estado, nesse intervalo de tempo, passou de R$ 3,450 para R$ 3,202.
O presidente do Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes no Rio Grande do Sul (Sulpetro), João Carlos Dal’Aqua, indica a queda da procura por combustíveis pelos motoristas, devido às medidas de isolamento por causa do coronavírus, e a redução do custo do petróleo como os fatores que fazem com que o preço da gasolina e do diesel caiam na bomba. O dirigente admite que nunca se esperou um patamar como esse do preço de petróleo, sem contar a combinação com um problema de pandemia planetária. “É um cenário inusitado para todo mundo”, frisa.
Dal’Aqua acrescenta que se trata de um tema muito complexo, pois o petróleo não é uma questão matemática e envolve muita especulação. Um receio do presidente do Sulpetro é que o preço do barril volte a se elevar, mas que os motoristas não retomem na mesma velocidade o abastecimento nos postos, isso significaria um sério problema para o revendedor, que teria um aumento do preço a partir das refinarias e não teria demanda consumidora para repassar esses custos. Como reflexo do coronavírus, o dirigente informa que, no interior do Rio Grande do Sul, houve uma queda de 30% a 40% no consumo de gasolina, e, em Porto Alegre, em torno de 70%, até agora.
A Refap, principal abastecedora de combustíveis do Estado, também foi impactada. O presidente do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande Sul (Sindipetro-RS), Fernando Maia da Costa, confirma que a refinaria está com dificuldade de comercializar seus produtos, com os tanques acumulando gasolina e óleo diesel. Segundo o sindicalista, a unidade está operando a 57% de sua capacidade. Costa comenta que os reflexos da queda do preço do barril do petróleo e dos derivados é um fator que deveria levar o governo federal a rever a sua proposta de privatização de parte da Petrobras, que inclui a Refap. Uma alienação neste momento ou em um futuro próximo, segundo ele, faria com que a estatal vendesse ativos a valores muito baixos. “Nós entendemos que a proposta de alienar qualquer pedaço da área de refino é dilapidar o patrimônio da Petrobras”, critica Maia.
GLP permanece com preço estável há um ano e meio
Se a gasolina vem tendo o seu custo reduzido constantemente, o mesmo não pode ser dito de outro derivado do petróleo, o GLP, popularmente conhecido como gás de cozinha. Uma das explicações para esse fenômeno é que, com o isolamento, muitas pessoas anteciparam as compras de botijões, como uma forma de precaução quanto a uma possível escassez.
O presidente do Sindicato das Empresas Distribuidoras, Comercializadoras e Revendedoras de Gases em Geral no Estado do Rio Grande do Sul (Singasul), Ronaldo Tonet, argumenta que, como houve um aumento da demanda por GLP com a pandemia, praticamente zerando os estoques dos revendedores, foi preciso repor o produto. “Como ocorreu uma dificuldade de abastecimento, porém não um desabastecimento, não havia sobra de gás que motivasse queda de preço”, destaca o dirigente. Tonet ressalta que, mesmo com o aquecimento de demanda, o custo se manteve estável. Conforme o dirigente, há cerca de um ano e meio o valor do botijão está oscilando próximo à média de R$ 70,00 por botijão de 13 quilos no Rio Grande do Sul. Atualmente, segundo a Petrobras, o preço médio do GLP nas refinarias da estatal é equivalente a R$ 21,85 por botijão de 13 quilos. No acumulado do ano, a redução é de cerca de 21%. O presidente do Singasul lembra que o Brasil está importando mais GLP para atender à demanda, pois está processando um menor volume de petróleo.
Se o consumo residencial segurou a demanda por GLP, o mesmo não pode ser dito do seu concorrente, o gás natural, que é mais utilizado para atender ao consumo de comércios e indústrias e chega nos estabelecimentos por gasodutos. De acordo com a Sulgás, que é a distribuidora desse insumo no Rio Grande do Sul, registrou-se uma diminuição de 8% do consumo de gás natural no mês de março em relação a fevereiro, em virtude de quedas de demandas em todos os segmentos atendidos pela companhia.
Sobre a precificação do produto, a estatal informa que a formação do preço do gás natural possui relação direta com a variação cambial e a cotação de uma cesta de óleos combustíveis no mercado internacional. Apesar da baixa do petróleo, a moeda americana segue valorizada, não sendo previstas alterações nas tarifas de gás natural neste momento.
Fonte: Jornal do Comércio