Preocupado com a popularidade e com os impactos políticos da alta dos preços dos alimentos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ontem adiar por tempo indeterminado o aumento de 14% para 15% da mistura obrigatória do biodiesel no óleo diesel.

O combustível mais verde poderia competir com a produção de alimentos no uso da soja e pressionar o preço de diversos produtos. A decisão foi do próprio presidente, pois havia uma divisão no governo quanto ao melhor caminho a seguir.

Na reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em que privilegiou o combate à inflação a medidas mais sustentáveis, o governo confirmou a adesão do Brasil a um fórum da Opep+.

O cronograma original do governo previa que a mistura subisse no próximo dia 1º. Analistas e o setor alertaram que, caso a porcentagem de mistura de biodiesel aumentasse para 15% (B15), o preço da soja subiria, o que, por sua vez, poderia causar alta nos preços de alimentos, como óleo de soja e proteínas.

O governo Lula está pressionado pela queda da avaliação positiva do presidente, e o comportamento dos preços é apontado como uma das causas. Agora, a ideia é monitorar o preço do óleo de soja na gôndola para decidir quando aumentará a mistura do biodiesel no diesel.

Outro impacto seria no preço do combustível em si. O biodiesel é mais caro que o diesel comum, o que poderia elevar o valor cobrado na bomba. Como a maior parte do transporte de produtos nacionais é feita pelo modal rodoviário, um aumento no diesel tem efeito cascata.

— O preço dos alimentos é a grande prioridade do nosso governo. Considerando a necessidade de buscarmos todos os mecanismos para que o preço seja mais barato na gôndola do supermercado, mantemos a mistura em B14 (14%) até que tenhamos resultados no preço dos alimentos da população, já que boa parte da produção do biodiesel vem da soja — disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Compromisso ambiental

A lei do Combustível do Futuro estabelece que o percentual de mistura de etanol na gasolina deve ser de 27%, mas o Poder Executivo poderá reduzir para até 22% ou aumentar para até 35%. Atualmente, a mistura pode chegar a 27,5%, com um mínimo de 18% de etanol. Isso não muda.

Sobre a mistura do biodiesel no diesel, estabelecida em 14% desde março de 2024, a lei determina que pode ser acrescentado 1 ponto percentual de mistura anualmente a partir de março de 2025 até chegar a 20% em 2030.

Para Daniela Stump, especialista em Direito Ambiental, professora do Insper e sócia do DCLC Advogados, as duas decisões anunciadas ontem — manutenção da mistura do diesel e entrada no fórum da Opep+ — são um “sinal ruim”.

— Ampliar o uso de biocombustíveis na matriz energética brasileira está entre os pontos da nossa NDC (compromissos de cada país para reduzir emissões de gases de efeito estufa e cumprir o Acordo de Paris). Então, vai na direção contrária — afirma ela.

Daniela destaca que o grande tema da COP30, a conferência do clima da ONU que será realizada em Belém este ano, será o aumento da ambição climática dos países, considerando que existe hoje uma grande lacuna na mitigação do aquecimento global.

Na visão da especialista, não há como se opor à segurança alimentar, mas o país tem de trabalhar de forma a não se desviar do compromisso ambiental assumido.

Para Pedro Rodrigues, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o biodiesel tem um custo maior em relação ao diesel fóssil.

Segundo especialistas, o biodiesel pode ter um preço quase 30% maior em relação ao diesel puro refinado pela Petrobras:

—A gente quer ser mais limpo? Mas tem de pagar por isso. Então, ao aumentar a composição do biodiesel no diesel vendido, automaticamente o preço fica mais elevado para o consumidor final. E o preço do combustível já está sob pressão, com a Petrobras elevando os preços na refinaria e o aumento do ICMS a partir deste mês. Ou seja, poderia haver ainda mais avanço na inflação.

Safra maior

Em 2024, a produção de biodiesel no Brasil foi de 9,07 bilhões de litros, alta de 20% em relação a 2023, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

—Ao obrigar o aumento do biodiesel, aumenta o preço da soja, pois é questão de oferta e demanda. E isso traz mais e novos impactos para a inflação. Os volumes são grandes, 1% de mistura é muito — afirmou Rodrigues, que estima que seria necessário elevar a produção de biodiesel em mais de 7% para cumprir o aumento previsto.

Matheus Dias, economista do FGV Ibre, avalia que o aumento do biodiesel na mistura do diesel poderia impactar a inflação duplamente: pelo impacto na soja, óleo de soja e outros alimentos, e no preço do transporte, já que o combustível é usado na movimentação da safra por rodovias.

— Se aumenta o percentual do biodiesel, consequentemente aumenta o preço do transporte, e isso tem um impacto não só nos alimentos, mas em todo produto que é transportado por caminhões. E, se aumenta o percentual de biodiesel, será necessário direcionar maior produção de soja para o combustível, e isso aumenta a demanda — diz Dias.

De outro lado, Alexandre Chaia, economista do Insper, avalia que o aumento da proporção de biodiesel teria efeito na melhoria da qualidade do produto, diminuindo o impacto no meio ambiente:

— A gente vai ter uma safra muito boa de soja esse ano. Talvez o governo possa ter adiado para esperar a colheita, que começa entre março e abril. Com isso, vai ter um excesso de produção e provavelmente o impacto no consumo de soja deve ser pequeno.

Chia pondera que o foco no momento é a tentativa de segurar o preço do diesel, que já subiu este mês.

Operação antifraudes

O CNPE aprovou a criação de operação conjunta entre órgãos do governo federal para combater fraudes na mistura obrigatória do biodiesel ao diesel. A operação, coordenada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), busca aperfeiçoar os instrumentos regulatórios e de fiscalização para assegurar a concorrência justa quanto à oferta de preços.

— Há muitas denúncias e estamos trabalhando muito fortemente para que as distribuidoras, todas, absolutamente todas, façam a mistura de forma adequada. Há muitas denúncias, inclusive públicas, de que algumas não estão fazendo de forma adequada, por deficiência de fiscalização da ANP, outras não estão fazendo, estão colocando menos do que deve, outras não estão fazendo por fraude mesmo — disse Silveira.

A adição de biocombustíveis nos combustíveis fósseis é política de Estado coordenada pelo CNPE, órgão do governo presidido pelo MME.

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