O filósofo Sêneca dizia: “quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a”. É isso o que gostariam de sentir muitos idosos que residem do Distrito Federal (DF), mas vários deles — ouvidos pelo Correio — lamentam que esse sentimento está longe do que vivenciam. Reclamam desde desleixo e tratamento desrespeitoso por parte de pessoas mais jovens, e da falta de um melhor atendimento por prestadores de serviços, até a carência de políticas públicas para pessoas com idade mais avançada. É um grupo que cresce em toda a capital federal, segundo levantamentos oficiais. Representa uma faixa etária cada vez mais numerosa na sociedade, e que, por isso, segundo especialistas, exige cada vez mais atenção.
Dados do Instituto de Pesquisa e Estatística (IPEDF) mostram que, entre 2018 e 2021, houve um crescimento de 34,5% do número de pessoas acima dos 60 anos no DF — subiu de 265.110 para 356.514. O Censo 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que, naquele ano, a turma da “melhor idade” chegou a 365.090 integrantes — acréscimo de 2,4% em relação ao ano anterior.
Com isso, a população longeva candanga chegou a 12,9% dos 2.817.381 dos habitantes pelos estudos do IBGE. Assim, nossos representantes com mais de seis décadas de existência ficaram próximos da média nacional, que é de 14,7%. Os números são relevantes em uma unidade da Federação que ainda parece não compreender que essas pessoas, como todas, também têm relevância.
No Sol Nascente, por exemplo, as vizinhas Francisca Cesária Matias, 65 anos, e Juraci Leides de Moura, 77, reclamam que a região não conta com infraestrutura necessária para anciãos. Além das ruas e calçadas sem acabamento, as idosas destacam que, no transporte público, o desrespeito reina. “Quando estou no ponto sozinha, por mais que eu dê o sinal, os motoristas não param. Viram a cara”, denuncia Francisca. Ela diz que só consegue embarcar quando alguém que tenha vivido bem menos primaveras que ela a ajuda a dar sinal de parada ao coletivo.
Já Juraci reclama dos passageiros que não cedem lugar, mesmo com algum dos assentos sendo reservados aos mais velhos: “Quando pego os ônibus pequenos, que na frente têm muita gente e pouca cadeira, a gente vai em pé porque os mais jovens não costumam ceder o lugar preferencial”. E diz que resta aos mais experientes enfrentar a viagem do mesmo modo que encararam a vida: com força para não cair ante situações inesperadas, como uma freada brusca, talvez.
Mais facilidades para cuidar da saúde é outra das situações que unem as amigas vizinhas em suas reivindicações. Os orçamentos minguados de ambas e deficiências no sistema público as afligem. Francisca diz que dos R$ 1.320 com que vive mensalmente, R$ 300 são para remédios. Juraci gasta menos, R$ 100, mas reclama que poderia poupá-los se conseguisse validar sua receita para tratamento de pressão no posto de saúde. “Quando vou consultar, só consigo ser atendida por enfermeiros porque não tem médico. Eles atendem rápido. Só que não ajuda muito porque eles não podem dar uma receita, pois tem que ter o carimbo do médico”, diz.
O economista e professor de mercado financeiro da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo entende a situação das duas moradoras do Sol Nascente e de tantas outras com perfil parecido no DF. Vivem todas elas um círculo vicioso: buscam unidades médicas do Estado por não terem como pagar um plano particular, mas acabam na maioria das vezes retornando a casa sem o tratamento ou sem remédio devido a diversos obstáculos, como os citados. E retornam a essa via-crúcis semanal, às vezes diariamente, até quando conseguem algo, ainda que sem saber quando e como.
Tristes coincidências
O professor aposentado Vicente Faleiros, 82, residente na Asa Norte, mora longe uns 30km de Francisca e Juraci, mas vive de perto algumas coisas como elas. “O Plano Piloto precisa ser mais acessível, com calçadas mais adequadas”, avalia o docente, acrescentando que isso também ajudaria em caminhadas, exercício propício e profilático contra males da idade.
Além disso, ele considera que os condomínios e comércios precisam ser mais “amigos da pessoa idosa”, adaptando as estruturas e os serviços para atender a essa parcela da população. “Também acho que a população mais jovem tem que se adaptar à mudança demográfica. Os mais velhos são mais lentos, por natureza”, reforça. “No trânsito, os episódios de desrespeito são maiores. Já me chamaram de ‘velho’ de forma pejorativa, como se (quem falou) estivesse irritado pelo fato de eu ainda estar dirigindo”, recorda o aposentado.
Prioridade
A professora e coordenadora do Grupo de Trabalho Envelhecimento Saudável e Participativo da UnB Leides Barroso Azevedo Moura considera que o GDF precisa estabelecer ações que contemplem o envelhecimento dos cidadãos e o preconceito aos anciãos, o chamando etarismo ou idadismo.
“O governo do Distrito Federal precisa agendar, politicamente, as pessoas idosas como prioridade, compreender as necessidades específicas e assegurar que sua população idosa tenha lugar de fala na melhoria de serviços e espaços urbanos”, comenta Leides. “Como capital do país, Brasília tem uma oportunidade única de liderar essas mudanças, promovendo serviços que aumentem a participação social e melhorem a qualidade de vida, acessibilidade e segurança nas regiões administrativas”, analisa sublinhando que Brasília ainda está longe de atingir esses objetivos.
Em nota enviada ao Correio, a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus-DF) disse que tem em sua estrutura a Subsecretaria de Políticas para Idoso (Subidoso): “A Sejus monitora as violações de direitos das pessoas idosas por meio do Disque 100. A Subidoso recebe as denúncias e faz os devidos encaminhamentos para os órgãos atuarem conforme cada uma das necessidades”.
*Estagiário sob a supervisão
de Manuel Martínez
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