Um dos efeitos mais evidentes da pandemia foi a explosão dos lucros do setor farmacêutico. Gigantes como a Pfizer, que gerou o imunizante comercialmente mais bem sucedido no mundo, ganharam uma nova fatia de mercado, disputada também por novos fabricantes e desenvolvedores de vacinas e medicamentos na China, India e Brasil, só para citar alguns exemplos fora dos centros mais tradicionais.

Não é a toa. Juntas, Pfizer, BioNTech e Moderna devem ter lucros de mais de US$ 34 bilhões em 2021 e essa curva só tende a aumentar. Já a Merck se valorizou e desencadeou altas generalizadas nas bolsas globais ao anunciar os bons resultados de sua “pílula anti Covid”, o molnupiravir.

Trata-se de uma oportunidade única para o Brasil, que teria tudo para se tornar o maior centro produtivo da América latina e um polo farmacêutico internacional. Inclusive ganhando espaço junto aos países de menor renda, como os africanos, em busca de vacinas e remédios mais acessíveis

Por aqui, no entanto, o setor parece totalmente a cargo da esfera pública – leia-se Fiocruz, Butantan e Universidades federais -, no que se refere às vacinas. Ou a mercê de interesses ainda obscuros, como indica a a aterrissagem de uma empresa privada chinesa, listada na bolsa de Hong Kong, responsável pelo único medicamento contra a Covid testado no país, a proxalutamida. Trata-se da Kintor Pharma.

Polêmicas envolvem o endrocrinologista Flávio Cadegiani

O remédio esteve envolvido em uma enorme polêmica e gerou até acusações de crimes contra a humanidade direcionadas ao Dr. Flavio Cadegiani, que conduziu pesquisas sobre a proxalutamida como tratamento da Covid no Amazonas. Cadegiani foi alvo da CPI da pandemia e até a Unesco pediu que as pesquisas por ele fossem investigadas com rigor.

Justiça seja feita, a substância chegou a fase 3 em outros estudos clínicos conduzidos no próprio Brasil, acompanhados pela Anvisa e Conep. E teve resultados recentemente divulgados nos EUA, como aponta a própria empresa, em seu site, e repercutiu a imprensa norte americana.

Aí é que mora o problema. Os resultados foram sofríveis em termos de eficácia e parecem corroborar pesquisas recentes, na Europa, indicando que substâncias da categoria da proxalutamida, os chamados antoandrogênicos, que reduzem a produção de testosterona, não têm efeito contra a Covid. Tanto assim que as ações da empresa chegaram a desabar absurdos 70% em um dia.

A proxalutamida foi inicialmente desenvolvida como uma droga para tratar o câncer de próstata, mas também não apresentou resultados nesse campo, ao menos até o momento.

No próprio site da empresa, disponível apenas na versão em inglês, a Kintor destaca que seu “pipeline” – em bom português, sua carteira de produtos – consiste em 7 medicamentos, todos ainda sem fase de testes. A companhia, que se apresenta como um foco de inovação, salienta ainda os investimentos em uma planta produtiva na cidade de Suzhou, junto a centros de pesquisa em Shangai e nos EUA. Sua grande aposta são mesmo os antiandrogênicos, para doenças que vão do câncer a acne e alopécia, e seu carro chefe é a proxalutamida.

Intenções da empresa no Brasil permanecem enigmáticas

Mas o que o laboratório chinês tem efetivamente a mostrar, para justificar tantos – supostos – investimentos e ambição global? O que se sabe, realmente, dessa tal planta na China, ou dos centros internacionais? E das intenções da Kintor no Brasil, onde a empresa parece atuar como um fantasma, apesar de uma ou outra aparição recente?

As perguntas deixam no ar uma duvida já alimentada pelos mais que suspeitos negócios e intermediários em torno da compra da vacina indiana Covaxin, da Bharat Biotech, também na mira da CPI da Covid-19: como separar o joio do trigo nesse novo mundo póspandemia, no qual empresas sérias se misturam a oportunistas que buscam o lucro fácil?

Responder a essa pergunta, no caso da Kintor como em diversos outros, será a diferença entre criar investimentos reais de bilhões de dólares no país ou ficar preso em uma teia de lobbys e tentativas de fraude, ancoradas no Estado, que, na verdade, impedem a verdadeira inserção da economia brasileira nas cadeias globais de valor.

Uma velha história em um novo mundo.

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